BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - "Agora todo mundo é atleta em Buenos Aires?", diz Sofia, 32, balançando a cabeça em tom de desaprovação. Ela tinha acabado de sair de sua casa, na noite desta segunda-feira (8), pronta para sua primeira atividade física ao ar livre depois de quase 80 dias de quarentena.
Os moradores da capital estavam proibidos de correr e de andar de bicicleta, patins ou skate ao ar livre desde meados de março, quando teve início o "lockdown" no país.
Nesta segunda, o governo passou a liberar essas atividades em Buenos Aires, mas com uma série de restrições: elas só podem acontecer entre às 20h e às 8h, as pessoas devem manter uma distância de dois metros entre elas durante as atividades físicas (policiais e voluntários monitoram as ações para que a regra seja respeitada) e grupos de corrida seguem proibidos.
Apesar disso, não foi possível evitar a aglomeração de gente na cidade.
Toda paramentada para correr, de tênis, casaco, fone de ouvido e marcador de velocidade no punho, Sofia, que é professora de ioga, se surpreendeu com o enxame de gente que encontrou nos Bosques de Palermo, um dos locais preferidos dos portenhos para corridas.
Na manhã desta terça-feira (9), o secretário de Saúde de Buenos Aires, Fernán Quirós, admitiu erros na implementação do plano. Ele disse que a permissão para exercícios será mantida, mas que haverá mais controles para evitar o que ocorreu nesse primeiro dia.
"Não esperava ver tanta gente, mas vou desviando, procurando rotas alternativas, estou tão animado de voltar a correr que não me importo com a escuridão", disse Jorge, 51, que usava casaco, calça de moletom e um gorro na cabeça.
Isso porque os termômetros marcavam 9ºC na noite de segunda, e a umidade do ar era de mais de 90%. "A umidade é o mais difícil, parece que trava os ossos das pernas, ainda mais depois de tanto tempo parado", completou.
Na manhã desta terça, a cena não foi muito diferente. Às 6h45, no Parque Centenário (também na capital), o sol acabava de aparecer e Esther, 28, já estava terminando sua atividade.
"Está começando a encher de gente, e eu não quero me expor", contou, enquanto fazia alongamento numa das cercas, antes de ir para casa. "Tinha visto as imagens da multidão correndo ontem [segunda], por isso cheguei aqui às 5h30 achando que ia estar vazio, mas já tinha bastante gente. As pessoas não aguentam mais a quarentena e querem sair mesmo que nunca tenham corrido da vida", completou.
De fato, nos cantos do parque e encostados em árvores, havia também grupos de adolescentes conversando, encostados em suas bicicletas.
Apesar de não terem sido registrados roubos ou assaltos no primeiro dia de liberação da atividade esportiva ao ar lvire e de a polícia ter estacionado carros nas entradas e no meio dos parques, as pessoas ainda têm medo de sair para se exercitar no meio da madrugada.
"Estamos em Buenos Aires, sabemos que é arriscado sair a pé de madrugada. Ainda que tenha polícia aqui no parque, para vir de casa até aqui, tenho que andar cinco quadras, absolutamente desertas depois das 23h", diz Sofia.
O secretário Quirós admitiu que o horário estabelecido para as atividades físicas traz problemas. Na prática, as pessoas saem no começo, entre 20h e 23h, e no fim do horário estabelecido, entre 6h e 8h. Segundo a polícia, pouca gente foi correr durante a madrugada.
Quirós disse que o horário foi escolhido porque nesse período há menos trânsito e as lojas estão fechadas.
"Temos menos chance de ter aglomeração de gente na rua. Mas vamos melhorar a segurança e apelar para a consciência dos cidadãos para que mantenham a distância para correr", disse.
Além do horário, há a orientação de correr sozinho, ou, no máximo, com uma pessoa com quem se convive no dia-a-dia.
"Acho que estão sendo muito restritivos, correr com um amigo que não vive comigo seria mais seguro e prazeroso", reclama Jorge, que costuma correr com um grupo, orientado por um treinador.
"Mas vamos continuar vindo sozinhos se essa é a regra. Até porque, se não fizermos exercício, nosso sistema imunológico cai, e aí sim ficamos mais expostos ao coronavírus e a outras doenças", diz.