Tal é a nossa condição: invejamos nos demais o que em nós é carência. Aqui, um naco de juventude; ali, o assombro pela beleza ou pela inteligência. A fortuna do outro, pensamos enganosamente, seria razão suficiente para trazer felicidade. Mude o foco e verá certa avidez no olhar do amigo ou vizinho. E, veja só: sua vida é quase um desperdício, pois existe em abundância e ele nem percebe. O extraordinário adquire ares de normalidade e parece injusta distribuição do acaso. Temos enorme dificuldade de ver com clareza, em nos contentarmos, buscando o equilíbrio. O olhar, sempre periférico, raramente voltado para si, costuma dar um zoom e recolher em paisagem alheia o que acreditamos motivar o regozijo. Ao agir assim, ignoramos qualidades e virtudes manifestas na própria alma. Transmutamos ouro em latão, tão incapazes de extrair algo contaminado pelo desejo de ser o que não somos.
Opinião
Gilmar Marcílio: longe do ideal
O olhar, sempre periférico, raramente voltado para si, costuma dar um zoom e recolher em paisagem alheia o que acreditamos motivar o regozijo