A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agergs) contestam o projeto de lei de Bento Gonçalves que prevê que a empresa seja obrigada a instalar equipamentos eliminadores de ar para consumidores que solicitarem esse aparelho. O texto foi aprovado por unanimidade pelos vereadores em 17 de fevereiro e seguirá para sanção do prefeito Guilherme Pasin (PP).
A Corsan contesta a eficácia desse tipo de equipamento. A companhia divulgou um documento informativo que aponta uma série de motivos para não reconhecer os eliminadores de ar. Entre os pontos citados, estão o de que não é conhecida, em nível nacional ou internacional, nenhuma normatização ou certificação de produto que garanta o seu desempenho, qualidade e segurança de utilização; que o regulamento de serviços da Corsan prevê que "não é permitida qualquer intervenção no ramal predial de água antes do hidrômetro, ficando o infrator sujeito à multa prevista na Tabela de Infrações da mesma”; e também aponta que a instalação de qualquer dispositivo, de forma invasiva, em qualquer ponto da rede de distribuição, pode ocasionar contaminação e, consequentemente, expor a saúde dos consumidores a riscos indesejáveis; entre outros pontos.
O superintende regional da Corsan, Tiago Dellanhese, afirma que o aparelho não é previsto em nenhuma das duas regras que orientam o serviço prestado pela companhia: uma lei federal e um regramento estabelecido pela própria Agergs. Caso a lei de Bento seja sancionada, Dellanhese afirma que a companhia vai consultar a agência reguladora sobre como proceder. O texto prevê que a norma municipal entre em vigor em 180 dias a partir da publicação.
— Além de não comprovar eficácia, o equipamento não tem certificação do Inmetro nem é normatizado pela Associação Brasileira de Normas Técnias (ABNT) — observa Dellanhese.
O secretário de Governo de Bento Gonçalves, Carlos Quadros, explica que o prefeito ainda está considerando as manifestações da Corsan para decidir se sanciona a lei. Conforme o secretário, pesa, no entanto, também o fato de os vereadores terem aprovado o texto por unanimidade, a partir de uma demanda originada de moradores da cidade. O projeto partiu de uma indicação do vereador Edson Biasi (PP).
Biasi diz que foi procurado por moradores que desejavam instalar o equipamento nas suas residências e, por isso, apresentou a proposta. O vereador explica que simplesmente pesquisou, verificou que havia diversos modelos no mercado e vários fabricantes de aparelhos.
— Se existe o aparelho, a gente espera que tenha eficiência nessa necessidade da população — afirma.
O secretário Carlos Quadros conta que a administração municipal fez uma pesquisa na legislação existente em outros municípios brasileiros, inclusive com exemplos de legislação que prevê a obrigatoriedade do equipamento e multa à companhia de abastecimento em caso de descumprimento. A respeito da contrariedade apresentada pela Corsan, ele diz que o intuito em Bento é permitir que o morador tenha a opção de utilizar o eliminador de ar se desejar, sem que a lei entre no mérito da eficiência.
— Hoje, sem a lei municipal, o morador vai na companhia (Corsan) e ela simplesmente nega a possibilidade com base no argumento de que não há aval técnico. Se é eficaz ou não é eficaz, quem tem que garantir a eficácia é o fabricante do equipamento — comenta.
O secretário admite que há embates jurídicos em municípios com essas leis porque as companhias de abastecimento não reconhecem os bloqueadores de ar.
— Sabemos que uma lei como essa pode gerar questionamento. Mas, ao sermos demandados pela população, entendemos que era possível garantir ao consumidor mais esse direito — diz, destacando ainda que, uma vez com a lei em vigor, se o consumidor solicitar a instalação do equipamento e não for atendido, pode fazer uma reclamação ao Procon — não vejo por que não instalar; é uma questão de oferecer ao consumidor de, na dúvida, ter algo que solucione — argumenta.
Ainda que a prefeitura sustente que o objetivo seja proporcionar ao consumidor a possibilidade de escolher instalar ou não o equipamento, um dos artigos do projeto de lei prevê que seja obrigatória a instalação do equipamento junto com novos hidrômetros. Neste caso, a instalação entrará no custo da companhia; já para os que possuem ligação de água existente e solicitarem a instalação do equipamento, o texto prevê que o custo seja pago pelos consumidores.
— A obrigatoriedade de instalação do aparelho na colocação de novos hidrômetros é porque sabemos que, no Brasil, já há estudos que afirmam que é dever das concessionárias dotarem a rede de aparelhos destinados a retirar o ar da tubulação. Sabemos, também, que existem já estudos que confirmam que há presença de ar nas redes de distribuição. Entendemos, com base no código de defesa do consumidor, que a companhia tem que prestar o serviço de forma adequada e eficaz — afirma Quadros.
O secretário ainda ressalta que o objetivo da lei é que a Corsan faça a instalação para que os consumidores não façam por conta própria.
— O que não queremos é que o consumidor, por conta própria, coloque. O texto também visa proteger a companhia de instalações irregulares, além de dar a prerrogativa aos consumidores de terem os aparelhos instalados.
A Corsan pontua que utiliza ventosas em pontos altos da rede justamente para retirar o ar da tubulação.
— As ventosas são instaladas em pontos primordiais da rede. Mais de 60 estão instaladas em Bento — explica o superintendente regional da Corsan, Tiago Dellanhese.
O técnico superior da Diretoria de Qualidade da Agergs, Ricardo Pereira da Silva, afirma que a agência reguladora contesta os eliminadores de ar propostos no projeto de lei aprovado em Bento tanto porque não há aprovação do Inmetro quanto porque um estudo da Universidade de Brasília (UnB) apontou que os aparelhos não têm eficácia e podem permitir que água externa - como, por exemplo, da chuva - entre e contamine a água da rede.
— Muitos desses aparelhos não são eliminadores de ar, mas estão reduzindo a pressão - e, com isso, registrando menos água no hidrômetro. No estudo da UnB, os dispositivos não apresentaram eficiência naquilo a que se propõem — comenta, dizendo ainda que a portaria 295/2018 do Inmetro veda a instalação desse tipo de equipamento.
Uma manifestação do Conselho Superior da Agergs ainda é aguardada a respeito dos eliminadores de ar. Além de Bento, projetos semelhantes já foram discutidos em outros municípios do Estado, como Viamão e Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre.
Conforme Silva, se houver multa à Corsan, ela poderá recorrer administrativamente à Agergs. O posicionamento técnico e jurídico da agência reguladora indica que ela não deverá reconhecer as multas a respeito. Acima da esfera administrativa, se uma das partes - município ou companhia de abastecimento - não reconhecer a decisão da Agergs, o passo seguinte seria discutir os casos na Justiça.
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Corsan e Agergs contestam projeto aprovado na Câmara de Bento sobre eliminadores de ar
Texto seguirá para sanção do prefeito Guilherme Pasin
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