Em 1952, Gislaine Diniza Amoretti tinha 22 anos e morava no amplo casarão de madeira da família, existente até hoje no trecho da Rua Marechal Floriano entre a Rua Sinimbu e a Avenida Júlio de Castilhos. Vivia ali na companhia dos pais, Antônio “Nico” Amoretti e Victoria Troian Amoretti, dos tios e irmãos - dez anos após a chegada da família à cidade, vinda da Fazenda dos Ilhéus, nos Campos de Cima da Serra.
Era o período em que a jovem, recém saída do Curso Técnico de Contabilidade do Colégio São Carlos, auxiliava o pai nas finanças do restaurante mantido na Av. Júlio, ao lado do Cine Central. “Forte” em Matemática, “Laine” intercalava a função de braço direito de seu Nico com o início de uma prática que faria dela uma das professoras mais famosas da cidade: as aulas particulares ministradas no antigo casarão da Marechal Floriano.
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Conforme relata a sobrinha Daniela Amoretti Finkler, o início dessa trajetória surgiu meio por acaso. Naqueles primórdios dos anos 1950, dona Eunyce Amoretti Zanoni, prima de Laine e também professora particular, obteve aprovação em um concurso estadual. Os alunos de Eunyce foram, então, sendo “repassados” à prima, que encontrou ali mais uma fonte de renda para manter-se e ajudar nas despesas da casa.
A continuação dessa história é bastante conhecida: pelos 40 anos seguintes, dona Gislaine auxiliou no “reforço” de milhares de estudantes - e também nos exames de admissão ao Magistério da Escola Normal Duque de Caxias e na preparação de candidatos aos mais variados concursos públicos, da Receita Federal ao Banco do Brasil.
Matemática, Português, Latim, Francês, História, Geografia, enfim, todas as disciplinas das séries iniciais eram lecionadas em uma das salas frontais da residência. Um local sagrado, onde Laine mesclava a paixão por ensinar a doses de cobrança e exigência para o bom aprendizado.
- Ela costumava dizer: “Eu respeito muito o esforço que os pais de vocês estão fazendo para vocês estarem aqui” - recorda a sobrinha Daniela, referindo-se ao profissionalismo e à objetividade da tia quando algum aluno não “rendia”.
Lembranças do casarão
Afilhada de dona Gislaine, Daniela Amoretti Finkler, 52 anos, conviveu bastante com a madrinha. Destaca o perfil agregador da tia e o valor que ela dava ao estudo e ao conhecimento. A própria Daniela e várias irmãs de Laine também deram aulas particulares no casarão por influência dela:
- Autodidata, sem ter feito o magistério, ela ficou famosa na cidade graças à propaganda feita pelos alunos. Também teve o reconhecimento das escolas. Era uma vocação.
Conforme Daniela, a “salinha” era bastante concorrida nos anos 1960 e 1970:
- Das 8h às 20h, às vezes em grupos de até 12 alunos. Eram duas mesas e uma estante de livros - conta.
A hospitalidade e o prazer de reunir a família eram outros traços marcantes de Gislaine.
– O casarão sempre foi ponto de encontro de tios, irmãos, primos, sobrinhos – completa.
Toda essa trajetória de carinho, cuidado e afeição pela família e amigos cessou no último sábado, dia 19, quando dona Gislaine faleceu, devido a complicações na vesícula, aos 90 anos.
As missas de sétimo dia ocorrem nesta sexta (25), na Catedral Diocesana, em dois horários, às 16h e 19h, também com transmissão pelo Facebook da Paróquia Santa Teresa.
Em família
Nas sequência de fotos abaixo, alguns momentos das confraternizações em família. Na primeira, dona Gislaine comandando a ceia de Natal em 2015. Ao lado dela está a sobrinha Tamara Maffei e as irmãs Ivanizi, Marina e Teresinha.
Na foto seguinte, os 10 irmãos reunidos no aniversário de 50 anos de Natal José Amoretti, em 25 de dezembro de 1986. Em pé, da esquerda para a direita, estão Arnaldo, Rogério, Gislaine, Marina Iracema, Ivanizi, Sérgio e Natal. Sentados, Mario Alberto, dona Victória (mãe) e Teresinha.
Por fim, um registro do aniversário de 90 anos de dona Gislaine, em 2019. De pé, da esquerda para a direita, estão as sobrinhas Helena Amoretti, Virgínia Amoretti do Nascimento, o sobrinho neto Thiago Amoretti Finkler e a sobrinha Patrícia Amoretti. Sentados, a sobrinha Daniela Amoretti Finkler, a irmã Teresinha Amoretti, Gislaine e a sobrinha neta Cecília Amoretti do Nascimento.
Caxias e torta de nozes
Torcedora do Caxias desde os tempos do Grêmio Esportivo Flamengo e da Baixada Rubra, dona Gislaine também era mestra na cozinha. E uma de suas especialidades era a famosa torta de nozes, uma das iguarias obrigatórias nas festas de Natal. Tudo vinha, logicamente, da nogueira de quase 80 anos existente no “lote” dos fundos da casa:
- Tia Laine colhia, quebrava, descascava, picava. Ela gostava de cozinhar e demonstrava seu carinho pelas pessoas através de uma mesa farta e bonita - conta a sobrinha Daniela.
Em livro
A trajetória da família Amoretti e a história do icônico casarão da Rua Marechal Floriano estão eternizadas na publicação “Resgatando o Passado”, escrita por dona Ivanizi Maria Amoretti Sartori, irmã de dona Gislaine.
O livro, lançado no final do ano passado, também motivou uma reportagem especial da revista Almanaque, publicada em 3 de janeiro de 2020. À época, ex-alunos se manifestaram:
:: Estudei com ela para entrar no Magistério. Era como um cursinho particular. Bons tempos, saudades. (Sandra Jussara Lopes Andreola)
:: Eu e minha prima Vera Maria Argenta tivemos aulas particulares de Matemática com a professora Gislaine. Só ela para domar as duas pestes. Isso foi em 1965. Lembro de sair da aula em uma fria tarde de agosto e no caminho para casa começar a nevar. Era a nevasca de 1965. (Alexandre Arioli)