E eis que mais um escândalo de proporções sacode o planeta. Não, não é a guerra da Ucrânia, que no dia 24 completou seis meses e dá mostras de não terminar tão cedo. Tudo indica que a destruição e a morte vão continuar em alta enquanto os envolvidos seguirem resolvendo suas questões na base da testosterona explosiva.
Também não é a fome. Deveria, mas não é. São 33 milhões de pessoas sem ter o que comer apenas no Brasil. No mundo, são quase 900 milhões – isso em dados oficiais. Um escândalo, mas não foi isso que deixou a galera de cabelo em pé na semana que passou.
Seria o assassinato do menino Gabriel, de 18 anos, que se mudou para a cidade de São Gabriel para servir no Exército? Ou a versão dos policiais militares, que agora contam que o próprio Gabriel pediu uma carona até a localidade que não conhecia, e onde foi encontrado no fundo de um açude?
Vergonha, deboche, acinte, indecência, mas essa filigrana, o assassinato de gente inocente, é feito bala perdida. Hoje em dia, não escandaliza mais ninguém.
A lista dos possíveis escândalos com potencial para tirar o sono do cidadão que preza a pátria, a família e Deus acima de tudo é longa, nem cabe listar aqui. Melhor ir logo ao escândalo que, dessa vez, teve lugar na distante Finlândia: a primeira ministra do país, Sanna Marin, foi filmada em uma festa privada com amigos cantando e dançando na boquinha da garrafa.
Es-cân-da-lo.
Sanna, 36 anos, é a primeira ministra mais jovem do mundo em um governo de maioria feminina. Só isso já seria um escândalo: 12 dos 19 ministérios são ocupados por mulheres. Eleita em 2019, Sanna é uma social-democrata de viés mais progressista e ecológico, segundo ela mesma.
Premiê de um país tradicionalmente neutro nas questões geopolítcas da região, foi ela quem encaminhou, em maio desse ano, o pedido formal para a Finlândia entrar na Otan, a aliança militar que se propõe a defender a democracia e a paz nos países alinhados e capitaneados pelos Estados Unidos. A explicação ficou pobre? Ficou, maiores detalhes na coluna da Rosane de Oliveira, porque o assunto aqui é a Sanna.
Fato é que, no atual cenário de uma guerra interminável, a Finlândia considerou que as cercas de madeira que dividem seus 1,3 mil quilômetros de fronteira com a Rússia não teriam capacidade para impedir uma futura invasão, caso o Putin acordasse de guampas (mais) viradas. Daí o pedido para entrar na Otan. Daí o fim da neutralidade. Daí as manifestações pró e contra que vem sofrendo. Daí a política, no fim das contas.
Foi nesse contexto que Sanna deu o RSVP em uma festa com amigos e suas imagens dançando e cantando ganharam o mundo.
Es-cân-da-lo.
A oposição não perdoou, disse que o comportamento não era compatível com o cargo da primeira ministra, ainda mais em um momento de tensão política e crise econômica. Os críticos exigiram exames toxicológicos, que a Sanna fez e gabaritou negativo. Zero para qualquer tipo de droga. Não se sabe que tais exames tenham sido exigidos de Boris Johnson, o ex-premiê britânico que festeou a grande na pandemia e levou mais de dois anos para perder o posto.
Enquanto isso, as compatriotas de Sanna criaram uma campanha de apoio a ela, postando vídeos em que dançam e se divertem com a hashtag “solidariedade a Sanna”. Um pouco de leveza não faz mal a ninguém.
Se a Sanna vai cair porque dança, e bem, em seus momentos de lazer, não dá para saber. Mas que o mundo precisa rever seus conceitos de escândalo, ah, precisa. E rápido. Sob pena de aumentar esse escândalo que é viver em dias falsamente moralistas.