Texto por Luiz Américo Camargo (crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso)
“O país não vai aguentar. Do jeito que está, não vai dar.” Quando ouço esse tipo de comentário, recorro à memória – a minha, mesmo. Já vivi o suficiente para ver uma ditadura acabar, vários planos econômicos e moedas, impeachment, hiperinflação. E crises, de todos os tipos. E não seguimos adiante? Notem bem: não estou dizendo que foi bom. Foi difícil. Mas não foi o fim.
Começamos 2015 de um jeito pouco animador. No que toca ao cotidiano da gastronomia, podemos entrar em colapso no fornecimento de energia e de água, afetando casas, comércio, lavoura e pecuária. O que mudar? Como economizar insumos? O que será de cardápios, hábitos, faturamentos, empregos?
Aqui, vale mencionar um fato recente em São Paulo. Sem luz por mais de 48 horas, o restaurante Vito se rebelou e foi à rua para minimizar prejuízos. Por três dias, preparou churrascos e até massas na porta da casa. O público prestigiou.
Recorri de novo à memória (desta vez, não a minha, claro). E fui rever o estrago da terrível II Guerra (1939 – 1945) nos restaurantes de Londres e de Paris. Pois não é que muitas cozinhas e salões continuaram na ativa, mesmo com menos clientes e produtos? Com produção afeta- da, a saída era racionar – havia fila da sopa e do pão e cotas. Os estabelecimentos passaram a regular quantidades, a servir refeições curtas: no máximo, uma three course meal, fosse taberna ou palácio.
Na Paris ocupada pelo nazismo, os preços eram tabelados, o porcionamento era severo. Nos bistrôs, adotaram-se menus em quatro faixas. As entradas não podiam conter ovos ou peixes. Manteiga e vinhos estavam racionados. E nada de comida na vitrine ou à vista. Foi sofrido, mas a vida seguiu. Voltemos a 2015.
Se as alternativas passam por filas e cotas, ou pelo churrasco na rua, não se sabe. Porém, quando estivermos em colapso, ou apenas céticos, lembremos que esta não é a primeira, nem a última crise. Notem bem: não estou dizendo que vai ser bom. Será difícil. Mas não será o fim.