*Texto por Luiz Américo Camargo (crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso)
Serviço que explica demais já deu. Menus que abusam de conceitos têm mais a ver com verborragia do que com gastronomia. É isso mesmo? Na grande maioria dos casos, sim. Mas, nas ocasiões oportunas, eles fazem muito sentido.
Vamos lembrar de onde veio a onda de garçons tão eloquentes. Remonta a um passado recente, em que as aparências deixaram de ser óbvias e a técnica ofuscou a matéria-prima. Tudo foi transformado, recriado, ao estilo de Ferran Adrià, Pierre Gagnaire e outros.
Se uma paleta de porco virava um cubo de interior gasoso, por exemplo, o que fazer, senão contar a mágica ao comensal? Aí entraram outros fatores, como a responsabilidade social: era preciso enfatizar que o produto era orgânico, artesanal etc. Só que a coisa fugiu ao controle, ficou chata, uma falação sem fim. Conclusão: algo que se adequava mais à alta gastronomia acabou se alastrando até a um inocente hambúrguer.
Penso sobre o assunto inspirado por uma visita recente ao Boragó, o restaurante mais aclamado de Santiago, no Chile. Seu chef, Rodolfo Guzmán, tem uma obsessão: unir as práticas ancestrais do povo mapuche à cozinha de vanguarda. Mas não apenas. Suas degustações desvendam o Chile, com legumes andinos, algas do Pacífico, frutas da Patagônia, arbustos do Atacama, e tudo isso é anunciado à mesa – pelos próprios cozinheiros. Só que em intervenções sucintas e didáticas, funcionando como apoio para uma comida instigante. Jantei muito bem e ganhei uma perspectiva de país que não estava nos guias de viagem.
Foi quando me lembrei da frase do escritor catalão Josep Pla: “A culinária é a paisagem de um país na panela”. E foi quando me dei conta que, entre os discursos possíveis que cercam o serviço, os que tratam das conexões com o território e com a tradição me parecem sempre os menos perecíveis. O que estou querendo dizer? Que o atendimento palavroso pode melhorar o contexto de uma refeição se a mensagem sobrepujar a afetação. Mas que ele tem hora e lugar, é mais exceção do que regra.
Ninguém precisa vender coxinha mostrando a certidão do nascimento do frango e narrando a história do quitute, ok?