Esta semana comecei mais uma oficina de escrita criativa. Nunca imaginei que minhas leituras e formações me trariam até aqui. Trouxeram. Gosto demais da possibilidade de tomar o leitor pela mão (ou pela palavra) e conduzi-lo até bem perto do topo da montanha e mostrar o quanto a literatura é esse universo imenso, cheio de planícies e planaltos, rochedos e mares, solitário e belo. Toda oficina tem o encontro com o medo, o vazio, a surpresa. Uma oficina de escrita criativa tem como proposta a escrita e escrever é tão inseguro quanto viver. Escrever é falar de nós mesmos, da vida, das lembranças, impressões e sonhos. Escrever é também retomar a relação com os objetos internos. Quando escrevemos, nossa relação edípica se refaz. Escrever é decepcionar-se, é aprender a não idealizar a escrita. Como diz Celso Guttfreind, os textos são nossos bebês e a coragem de pôr um filho no mundo tem a ver com defrontar-se com o bebê real. A coragem de pôr um texto no mundo é a mesma. Textos são reais como bebês. O que realmente nos horroriza é o resultado disso. Uma ideia escrita é sempre uma ideia ferida. Escrever continua Celso, é reencontrar saliva, fezes e mãe que nos sustente na hora insustentável, em que todos, dentro e fora, rejeitarão a nossa obra, desdenharão do penico, rirão das fraldas, verbos, intrigas, metáforas, acusando-nos de banais, prosaicos e repetidos. Essa nossa obra, insuficiente, nunca estará pronta e eis aqui mais uma oficina entre tantas para nos mostrar que o caminho precisa ser sempre percorrido, mesmo assim. Mas é a partir desta constatação que surge uma mãe suficientemente boa, como diz Winnicott, que há de tomar a frente da batalha para garantir que o texto seja perfumado e que apesar de não ser perfeito, será possível e belo dentro da sua possibilidade. Somos muitos quando escrevemos.
Opinião
Adriana Antunes: escrever e reescrever-se
Refletir sobre o processo criativo viabiliza o encontro de caminhos de compreensão para as questões humanas mais diversas