A espécie humana (Homo sapiens) foi "desenhada" para reter sal (sódio). Graças à capacidade de retenção de sódio é que os seres vivos, a partir dos anfíbios, puderam lançar-se a uma vida fora do mar. Dos anfíbios aos primatas, o sistema de retenção de sal tornou-se cada vez mais eficiente.
Na vida do homem primitivo, o sal era escasso. Dependia-se dos poucos sais contidos na caça e pesca e da coleta de frutos. Por milhares de anos, tivemos que nos adaptar a ambientes com pouco sal. Nossos rins, portanto, possuem complexa rede de serpentinas (alças de Henle) que servem para incrementar nossa capacidade de retenção de sal. Tal o sal era escasso e valorizado que soldados romanos eram pagos com um "salarium" ao final do mês de trabalho, que eram de fato rações de sal. Para os romanos, era costume pôr sal nos pratos com verduras. Esta é a origem da "salada".
Na Antiguidade, o sal também era associado a aspectos negativos. Em guerras, terras eram "salgadas" para ficarem inférteis. Em A Última Ceia, de Leonardo Da Vinci, está retratado um saleiro derramado justamente em frente de Judas. Coincidência?
A abundância de sal
Ao contrário da antiguidade, o sal hoje é algo barato, abundante e disponível. O sal nos permitiu estocar alimentos, transportá-los e consumi-los muito tempo após sua produção. O que resulta hoje é que somos ainda aqueles seres originalmente dotados de alta capacidade de retenção de sal vivendo em um ambiente de abundância de sal.
Como seria nossa pressão arterial se não tivéssemos sido expostos à industrialização?
Estudo populacional comparou a pressão arterial de tribos indígenas que sofreram influência cultural dos colonizadores (Mundurucus) e passaram a salgar seus alimentos com a pressão arterial de tribos que se mantiveram não aculturados (Carajás). Os primeiros apresentavam aumento gradual de sua pressão arterial conforme a idade, enquanto os segundos mantinham-se com média de pressão arterial em torno de 100/64 mmHg mesmo com idades acima de 50 anos. Uma evidência contundente do efeito causal da ingesta de sal sobre nossa pressão arterial.
Os níveis de pressão arterial
Vivemos hoje uma epidemia global de pressão alta (hipertensão arterial sistêmica, a HAS), resultado da exposição a grande quantidade de sal. O diagnóstico de HAS vem se modificando com o tempo pela demonstração de que, quanto mais baixa a pressão arterial dos indivíduos, menor é a incidência de eventos cardiovasculares. Nesta tendência, estamos evoluindo dos antigos 140/90 mmHg para os atuais 120/80 mmHg como limite da normalidade ou como alvo do tratamento de indivíduos com pressão alta. Ensaio clínico de grande monta já evidenciou a superioridade de uma estratégia focada em pressão arterial abaixo de 120/80 mmHg quando comparada com uma estratégia focada em pressão arterial abaixo de 140/90 mmHg. Houve 27% menos mortes no grupo que almejou pressão arterial abaixo de 120/80 mmHg.
Hoje sabemos que pelo menos 40% do risco de doenças cardiovasculares (infarto do miocárdio e derrames cerebrais) pode ser atribuído à pressão arterial. Outros fatores que se somam para o risco incluem o colesterol elevado, tabagismo, nível de glicose (açúcar) elevado no sangue e sedentarismo.
Como podemos reduzir em até 50% as doenças cardiovasculares?
Busque estes objetivos:
- Pressão arterial em 120/80 mmHg ou menos;
- LDL colesterol < 116 mg/dl na população ou < 100 mg/dl se com fatores de risco e < 56 mg/dl se já com doença cardiovascular
- Glicemia < 100 mg/dl
- Dieta Mediterrânea + azeite de oliva extravirgem
- Evitar sobrepeso ou obesidade (IMC < 25-27 Kg/m2)
- Diminuir significativamente ingestão de carboidratos
- Exercitar-se: 30 min, 5x/semana
- Não fumar
- Interagir com amigos e familiares
(*) Professor adjunto da Faculdade de Medicina da UFRGS e professor da pós-graduação em Cardiologia da mesma universidade
(**) Cardiologista, ex-diretor da Faculdade de Medicina da UFRGS e membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina