MANAUS, AM, E BRASILÂNDIA, MS (FOLHAPRESS) - O MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas denunciou nesta quinta-feira (6) abusos e violações dos direitos humanos cometidos pela Polícia Militar do estado. Em ofício enviado a autoridades em Brasília, há relatos de invasão de domicílio, condução ilegal, agressão e tortura de uma liderança ribeirinha.
Os abusos teriam sido cometidos durante operação policial nos Projetos de Assentamento Agroextrativistas Abacaxis 1 e 2, às margens do rio com o mesmo nome, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba, sul do Amazonas. A área também é habitada por indígenas do povo maraguá.
Trata-se de uma resposta à morte de dois PMs durante ação no rio Abacaxis, na segunda (3). Segundo a Secretaria de Segurança Pública, eles foram baleados durante um confronto com traficantes. Outros dois policiais militares ficaram feridos.
No dia seguinte, a secretaria enviou para a região um reforço de 50 policiais militares liderados pelo comandante-geral da Polícia Militar, Ayrton Norte. Foi quando começaram as denúncias de abusos policiais contra os ribeirinhos.
Um dos relatos, ainda não confirmado, afirma que cinco pessoas da região teriam sido mortas pela PM. A Secretaria de Segurança Pública confirmou apenas um óbito, mas não informou a identidade da vítima e alegou que não há "nada mais confirmado" e que "a telefonia lá é péssima".
Ao MPF os moradores relataram que os PMs apontaram armas de fogo para os moradores, incluindo crianças e idosos, e apreenderam celulares de quem estava gravando a ação.
Os policiais militares também teriam realizado condução ilegal e tortura contra o presidente da Associação Nova Esperança do Rio Abacaxis (Anera), Natanael Campos da Silva. Ele teria sido detido e liberado horas depois, com vários hematomas de agressão pelo corpo e pelo rosto.
Silva teria sido agredido e torturado por policiais militares na presença do comandante-geral, Ayrton Norte, em duas ocasiões. Primeiro, dentro de um dos apartamentos do Hotel Jardim Paiva, em Nova Olinda do Norte, onde os militares estavam hospedados, e depois na lancha particular Arafat, que estava sendo utilizada pelos policiais durante a ação.
As agressões teriam incluído socos no estômago e no rosto, asfixia por saco plástico, além de ameaças contínuas de morte.
Segundo Silva, ele foi chamado ao hotel para ajudar nas investigações, mas ao chegar lá foi acusado, pelo comandante da PM, Ayrton Norte, de estar encobrindo os traficantes suspeitos de terem atirado nos policiais.
"Depois me levaram pra um lugar mais afastado e começaram a me bater. Eram uns dez policiais e o comandante lá, assistindo. Pararam um pouco, depois teve outra sessão numa lancha chamada Arafat. Meteram um saco plástico na minha cabeça e me perguntavam quantas pessoas estavam envolvidas. Eles ficavam falando que eu não ia escapar", disse a liderança à Folha, por telefone. A detenção e a tortura teriam durado duas horas.
O MPF impetrou pedido de habeas corpus em favor de Natanael, para evitar que ele seja submetido a nova sessão de tortura pelos policiais, uma vez que a operação está em andamento, e recomendou que a Polícia Federal (PF) passe a investigar a atuação dos PMs na área, que é de responsabilidade federal, por reunir territórios de assentamentos federais, a Floresta Nacional (Flona) Pau Rosa e ocupados por indígenas da etnia maraguá.
Pescaria ilegal De acordo com o MPF, os conflitos no rio Abacaxis foram provocados por uma pescaria esportiva sem licença ambiental com a participação do secretário-executivo do Fundo de Proteção Social (FPS) do governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende, dentro de uma área de proteção federal de uso tradicional de povos indígenas e ribeirinhos, em plena pandemia de Covid-19, no dia 23 de julho.
Os ribeirinhos e indígenas relataram ao MPF que duas embarcações, de nome Dona Dorva e Arafat (esta sendo a lancha usada pelos PMs na operação policial), entraram sem autorização na área da reserva com pescadores a bordo e foram impedidas de ficar no local pelos moradores.
A versão dos pescadores, entre eles o secretário-executivo do FPS, foi outra. Em depoimento à polícia e entrevistas à imprensa local, eles sustentam a versão de que comunitários, após impedirem a entrada deles no rio, tentaram roubá-los e atiraram contra eles, atingindo o ombro de Rezende, que chegou a fazer um boletim de ocorrência em Manaus.
Cerca de uma semana depois, aconteceu a primeira operação no rio Abacaxis, com o envio de 21 policiais de Manaus. Além de pesca ilegal, a região é palco de garimpo e tráfico de drogas.
A Folha de S.Paulo entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública nesta quinta (6), mas o órgão não atendeu aos pedidos de esclarecimento sobre as denúncias dos ribeirinhos. A reportagem não conseguiu localizar Rezende.
O ofício do MPF do Amazonas foi enviado para 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria, que lida com questões indígenas, para a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) e para o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Renan de Oliveira.