O vereador Sandro Fantinel (sem partido) voltou a atribuir em depoimento na Polícia Civil, nesta quarta-feira, que a fala discriminatória que fez sobre trabalhadores baianos e o povo da Bahia na tribuna da Câmara de Caxias em 28 de fevereiro, deveu-se a um lapso. Ele é investigado por racismo e foi ouvido pelo delegado Rafael Keller, que respondia interinamente pela 1ª Delegacia de Polícia. Fantinel chegou ao prédio, na Rua Marquês do Herval, na área central da cidade, às 14h. O depoimento durou cerca de uma hora e terminou pouco depois das 15h. Segundo o delegado, o inquérito está na fase final e deve ser concluído até semana que vem.
— (Ele) Afirmou que não teve intenção, em momento algum, de discriminar alguém. Disse que foi um lapso — diz o delegado, que ainda explica que, antes do vereador depor, foram ouvidas outras duas testemunhas que estavam presentes na sessão quando Fantinel se pronunciou.
A Polícia Civil instaurou inquérito ainda no final do mês passado para apurar o pronunciamento de Fantinel ao mencionar o caso dos trabalhadores baianos resgatados em Bento Gonçalves em situação similar à escravidão. O advogado do parlamentar, Vinícius de Figueiredo, ressalta que, em depoimento à polícia, o vereador admitiu aos policiais o erro e pediu desculpas (confira abaixo a nota enviada pela defesa).
Desde o dia 1º de março Fantinel não comparece às sessões na Câmara de Vereadores. Figueiredo afirma que ele está abalado e procurou avaliação psiquiátrica, que apontou "uma reação aguda ao estresse pós-traumático". Por isso, o vereador deverá permanecer afastado do trabalho, com atestado, por 10 dias (a contar do dia 6 de março). Como ele não comparece à Câmara desde o dia 1º, esses dias anteriores ao atestado serão descontados do salário do parlamentar, segundo a assessoria de comunicação da Câmara de Vereadores.
A Comissão Processante da Cãmara se reúne às 11h desta quinta-feira (9) para analisar o caso envolvendo o mandato do parlamentar.
Confira a nota enviada pela defesa de Fantinel:
"Ontem (8/3), o vereador Sandro Fantinel depôs na Polícia Civil. O depoimento durou 1h. Abalado psicologicamente, admitiu o erro, pedindo desculpas. Esclareceu que iniciou falando sobre a escassez de mão-de-obra nas lavouras, e de improviso estendeu a fala com relação aos trabalhadores resgatados em condição análoga a de escravo. Assim que encerrou sua fala da tribuna, percebendo o erro, conforme previsão no regimento interno da Câmara, solicitou que as palavras fossem suprimidas dos anais da sessão, demonstrando estar arrependido, disse que aquela fala não lhe representa. Esclareceu que criou o projeto Agrofraterno, com o qual contribui de seu próprio provento todos os meses e atende 22 bairros carentes de Caxias do Sul, alimentando aproximadamente 2,5 mil pessoas, dentre estas muitas que provém de diferentes regiões do país, e até de outros países, sem distinção. Assim, aguarda acusação formal, e responderá à sociedade perante a Justiça, com todas as garantias processuais asseguradas".
Relembre o caso
Na sessão do dia 28 de fevereiro, o vereador Sandro Fantinel afirmou que "com os baianos, que a única cultura que têm é viver na praia tocando tambor, era normal que fosse ter esse tipo de problema." Ele também sugeriu a agricultores, produtores e empresas agrícolas da região para dar a preferência a "trabalhadores argentinos", que seriam "limpos, trabalhadores, corretos". Na ocasião ele afirmou ser contra qualquer tipo de maus-tratos a funcionários de qualquer área e que por causa do caso que chamou de "exagerado e midiático", visitou um alojamento próximo de Caxias depois de ser convidado por um produtor.
As falas tiveram grande repercussão nacional e geraram manifestações dos governadores da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). Depois da polêmica, a Câmara de Vereadores de Caxias divulgou uma nota de repúdio às falas de Fantinel, assinada pelos outros 22 parlamentares da Casa, e um pedido de cassação foi protocolado pelo ex-vice-prefeito de Caxias do Sul, Ricardo Fabris de Abreu.
No mesmo dia, o partido Patriota decidiu pela expulsão do vereador. Em nota, o diretório nacional da sigla comunicou o parlamentar da decisão após as falas preconceituosas do vereador a respeito dos baianos. Segundo o partido, o discurso de Fantinel "está maculado por grave desrespeito a princípios e direitos constitucionalmente assegurados, à dignidade humana, à igualdade, ao decoro, à ordem e ao trabalho, já que se refere de forma vil a seres humanos tristemente encontrados em situação degradante". Segundo o partido, essa situação "torna inconciliável sua permanência nas fileiras do Patriota, partido que prima pelo respeito às leis, à vida e à equidade".
Na sessão de 2 de março, os vereadores aceitaram por unanimidade o pedido para dar início ao processo de cassação do vereador. Ele é acusado de quebra de decoro. Com a admissibilidade do pedido, o processo segue a tramitação no Legislativo. A Comissão Processante é formada por três vereadores escolhidos por meio de sorteio: Tatiane Frizzo (PSDB), Felipe Gremelmaier (MDB) e Edi Carlos Pereira de Souza (PSB).
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) também ajuizou, na última segunda (6), uma ação civil pública contra o vereador caxiense. A ação pede que o parlamentar seja condenado ao pagamento de R$ 300 mil por danos morais coletivos. O valor seria destinado ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados. Esse foi o terceiro pedido de indenização protocolado contra o vereador. No dia 3, o Ministério Público Federal protocolou um pedido de indenização contra Fantinel, no valor de R$ 250 mil. Há também um pedido de condenação no 2º juizado da 3ª Vara Cível de Caxias do Sul, protocolado por quatro ONGs ligadas aos direitos humanos e combate ao racismo contra o vereador, que pedem o pagamento de R$ 1 milhão.