Um homem inocente, religioso, temente a Deus e incapaz de fazer mal a seus semelhantes. Essa é a definição que o empresário Pedro Augusto de Oliveira Santana faz dele mesmo. Natural da cidade de Valente, na Bahia, e radicado na serra gaúcha há 11 anos, ele foi preso em 22 de fevereiro (e libertado 10 horas depois) suspeito de ser o responsável por manter 207 safristas da colheita da uva em condições análogas à escravidão, em um alojamento em Bento Gonçalves. O caso é o maior resgate de empregados feito até hoje no Rio Grande do Sul por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho (MPT).
As condições insalubres da pousada foram relatadas por seis safristas que fugiram do local. Eles disseram aos fiscais que eram submetidos a jornadas de mais de 12 horas de trabalho, que tomavam banho frio, que se endividaram ao pagar por víveres e itens de higiene pessoal que deveriam ter sido fornecidos pelo empregador (Santana), que não podiam deixar o emprego em decorrência dessas dívidas e que foram espancados ao reclamarem das condições do serviço.
Santana e o dono da pousada, Fábio Daros, são investigados pelo MPT e pela Polícia Federal por tráfico humano e submeter pessoas a trabalho análogo à escravidão.
Após duas semanas de insistência, Santana concordou em falar. A única condição: que os jornalistas visitassem antes o alojamento onde estavam seus empregados no dia da vistoria dos fiscais do Trabalho. A pousada, realmente, mudou de aspecto (veja nas fotos abaixo). Nesta quinta-feira (9), estava limpa, lavada e em plenas condições de uso. Bem diferente do cenário na noite de 22 de fevereiro, quando houve o resgate dos profissionais — o local estava imundo, com roupas de cama jogadas. A culpa disso seria dos trabalhadores, que brigaram entre eles, assegura o empresário.
Santana concedeu entrevista ao Grupo RBS no escritório que mantém dentro de uma fábrica de caixas e pallets, no município de Garibaldi. É uma das nove empresas que ele e seus familiares controlam na Serra. Vestido de forma casual, usava camisa verde água e calça jeans. Demonstrou algum nervosismo. As mãos tremeram quando falou que seus amigos sumiram após sua detenção, por algumas horas. Estava acompanhado de sua esposa e dois advogados, Roberta Adami (amiga e conterrânea) e Augusto Giacomini Werner (contratado em Bento Gonçalves, especificamente para esse caso).
Em 45 minutos de conversa, o empresário assegurou não ter cometido crimes, afirmou que está sendo submetido por Deus "a uma provação" e se queixou de ser retratado como um bandido. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Origens das empresas na Serra
Santana diz que veio para o Rio Grande do Sul em 2010, para trabalhar na gerência de mão de obra em frigoríficos. Ele já fazia isso em Goiás, onde começou, nos anos 1990, como boia-fria na colheita da cana e, depois, como técnico de laboratório na produção de álcool (já que tinha Ensino Médio). No Rio Grande do Sul, começou contratando trabalhadores para carregar frangos, depois montou empresa própria e continuou no mesmo trabalho. Só depois de dois anos na Serra, começou a agenciar safristas para a colheita da uva:
— Quando foram surgindo as oportunidades, foram aparecendo parceiros. Como eu tenho essa habilidade na parte de gestão, fui gestor em outras empresas grandes, o pessoal me deu a oportunidade de ser o administrador, de ser o gestor da empresa.
Ele confirmou que, na uva, forneceu safristas para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, para descarregar a fruta. Além delas, para produtores independentes. Santana recorda que começou com cerca de 18 trabalhadores na colheita de uva, em 2012, mas depois chegou a ter quase 300. No dia em que a blitz dos fiscais do trabalho aconteceu, 22 de fevereiro, ele estava com 207 empregados para o serviço de carga e descarga dessa fruta, em Bento Gonçalves.
"Desconheço irregularidades"
Santana diz que foi auditado diversas vezes por MPT e Ministério do Trabalho e que em todas as vistorias foi "dado OK" pelos fiscais. Confrontado com as 20 autuações que sua principal empresa, a Oliveira Santana Prestação de Serviços, recebeu do Ministério do Trabalho, o empresário disse: "Desconheço irregularidades". Os repórteres detalharam vários itens (falta de pagamento em dia, falta de recolhimento de FGTS, condições precárias em alojamentos), e Santana garante que isso tudo foi resolvido com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado junto ao MPT - ele não informa que o MPT tenta aplicar agora multa por descumprimento desse TAC:
— A gente assinou um TAC, naquela época ali, relacionada mais a alojamento. Eu não consigo lembrar o ano, mas foi só uma vez. As outras vezes, a gente sempre foi auditado e colocada toda a parte. Tipo assim, o que eles pediam, a gente fazia. Eu falo com maior certeza, nunca tive problema de pagamento em dia.
Santana também afirma que já teve alojamento próprio, mas considerou muito difícil manter o serviço, então, passou a indicar seus empregados para pernoitarem em pousadas de outros empresários.
Sem qualquer trabalho similar ao escravo
Santana também assegura desconhecer outra reclamação que corre na Justiça do Trabalho, desde 2021, falando que ele submeteu um empregado à condição análoga a de escravo. O empresário ressalta que jamais na vida quis prejudicar alguém:
— Eu vim de baixo, eu vim do zero, um "boia-fria". Então, eu sei o que é trabalhar, o que é o trabalho. A minha vida foi sempre ajudar as pessoas. Porque, quando eu comecei, alguém me ajudou. Então, jamais eu vou fazer algo que venha prejudicar qualquer pessoa. Mas agora tem vários falsos testemunhos, que a gente vai esclarecer devagarzinho. Eu tenho certeza que vai ser esclarecido. Eu confio muito em Deus, a gente é evangélico há muitos anos, Deus tá na frente das coisas.
Santana admite que passa por um momento delicado, difícil, com muitas acusações:
— Bandido, eu não sou. Quem me conhece de verdade, sabe que fiz trabalho fora do Brasil também. Por onde eu passei, eu deixei uma história, uma história boa. Nunca deixei nada que deixasse uma imagem de bandido, que fiz algo errado. Então, na minha vida, foi trabalhar honestamente. Tudo que eu consegui na minha vida foi com muita luta, muito sacrifício.
Oportunidade aos conterrâneos
Santana afirma que dá preferência a conterrâneos porque é procurado por muita gente da Bahia, em busca de oportunidade de trabalho. Fala que políticos teriam sugerido trazer baianos e que ele concordou:
— É um pessoal trabalhador, pessoal honesto, que vem pra atingir meta e resultado.
O empresário acredita que foi vítima de "alguma coisa muito errada, não sei se envolveu alguma coisa de dinheiro com alguém", mas mesmo assim confia muito neles e tem certeza de que muitos vão querer falar a verdade, mas estariam com medo de se manifestar agora.
— Se trabalhar comigo fosse uma coisa tão ruim, será que essas pessoas estariam comigo todo esse tempo? Fica essa pergunta — desafia Santana.
Os vencimentos de cada trabalhador
O empresário relata que, quando um trabalhador finalizava a safra do ano, já deixava o nome para o próximo ano. Ele lamenta que seu telefone tenha sido confiscado pela PF, porque nele constariam várias mensagens do pessoal implorando: "Seu Pedro, tem vaga?", "Me dá uma oportunidade, tô com filho pequeno, preciso trabalhar". A maioria era indicação dos próprios colegas, das próprias pessoas que já trabalharam, acrescenta o empresário.