O presidente da Argentina, Javier Milei, retirou o país da Organização Mundial da Saúde (OMS) por "profundas diferenças em relação à gestão sanitária" da organização durante a pandemia, cujo trabalho considerou "nefasto", conforme expressou nas redes sociais nesta quarta-feira (5), ao justificar sua decisão.
O mandatário ultraliberal seguiu assim os passos do presidente Donald Trump, que após assumir a Casa Branca em 20 de janeiro resolveu retirar os Estados Unidos da OMS.
"Nunca esqueceremos que eles foram os ideólogos da quarentena cavernícola que implicou, de acordo com o Estatuto de Roma de 1998 (artigo 7.k), cometer, em cumplicidade com todos os Estados que seguiram suas diretivas, um dos crimes contra a humanidade mais estranhos da história", declarou Milei em suas redes.
"Por isso, decidimos sair de um organismo tão nefasto que foi o braço executor do que foi o maior experimento de controle social da história. VIVA A LIBERDADE, PORRA", lançou.
Mais cedo nesta quarta-feira, o porta-voz presidencial Manuel Adorni anunciou que o presidente já deu instruções para a chancelaria cumprir a ordem.
"Nós argentinos não vamos permitir que um organismo internacional interfira em nossa soberania, muito menos em nossa saúde", enfatizou.
O porta-voz explicou que essa medida "dá ao país maior flexibilidade para implementar políticas adaptadas ao contexto de interesses que a Argentina exige, além de maior disponibilidade de recursos e reafirma nosso caminho em direção a um país com soberania na área da saúde".
Adorni afirmou nesta quarta que a gestão sanitária da OMS durante a pandemia, junto com o governo de Alberto Fernández, "nos levou ao confinamento mais longo da história da humanidade e à falta de independência diante da influência política de alguns Estados".
A Argentina "não recebe financiamento da OMS, portanto, essa medida não representa perda de recursos para o país", esclareceu o porta-voz.
O anúncio também se enquadra na política do presidente ultraliberal de reduzir o orçamento do Estado. Por ano, a Argentina envia cerca de 4,1 milhões de dólares (23,7 milhõs de reais) à OMS.
- Isolamento perigoso -
A decisão de Milei "é outro sinal do que nos anos 1990 chamávamos de 'alinhamento automático' com os Estados Unidos", disse à AFP Andrea Oelsner, acadêmica e diretora do curso de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de San Andrés.
Para ela, a ação representa "um passo para o isolamento político internacional que, na realidade, vai contra o que o governo diz sobre querer 'se abrir ao mundo'".
Oeslner rejeitou o argumento da perda de soberania "porque a OMS não tem poder para obrigar os Estados a impor políticas domésticas" e alertou que, com essa saída, a Argentina perde um fórum de cooperação no qual poderia "compartilhar informações valiosas".
"Próximas pandemias, que são globais por definição, são inevitáveis, portanto, isolar-se e retirar-se de mecanismos e oportunidades de cooperação e coordenação internacional não é muito inteligente", acrescentou.
Segundo Federico Merke, professor associado de Relações Internacionais na Universidade de San Andrés, a decisão de Milei também envolve "teatralidade" para agradar a suas bases de apoio e ao governo Trump, mas "em vez de incrementar a reputação internacional do país, mina a sua credibilidade".
"Ameaças à saúde não respeitam fronteiras. Ficar fora de um espaço de cooperação e coordenação internacional deixa a Argentina isolada do diálogo global", sustentou.
Em junho do ano passado, o país sul-americano rejeitou se juntar a um novo protocolo sobre pandemias proposto pela OMS e deixou clara a sua intenção de deixar a organização.
- 'Quarentenas eternas' -
Após a coletiva do porta-voz presidencial, um comunicado do gabinete do chefe de Estado deu mais detalhes sobre os motivos da decisão argentina.
De acordo com o comunicado, a OMS "falhou em sua maior prova de fogo: promoveu quarentenas eternas sem embasamento científico quando teve que combater a pandemia de covid-19".
"As quarentenas provocaram uma das maiores catástrofes econômicas da história mundial", acrescentou.
Nesse sentido, o governo concluiu que "é urgente repensar, no âmbito da comunidade internacional, qual a razão de existirem organizações supranacionais, financiadas por todos, que não cumprem com os objetivos para os quais foram criadas [...] e pretendem se impor acima dos países membros", diz o comunicado.
* AFP