Em Belgrado, capital da Sérvia, a milhares de quilômetros de Moscou, o longo braço do Kremlin preocupa os exilados russos contrários à invasão da Ucrânia.
Desde o início do conflito, há 11 meses, milhares de russos se estabeleceram na Sérvia para escapar da guerra e da repressão e evitar as consequências das sanções econômicas ocidentais contra seu país.
Mesmo estando na Sérvia, porém, os russos críticos da guerra enfrentam campanhas de intimidação on-line, violência física e ameaças abertas.
Vladimir Volokhonskii, um ex-funcionário municipal de São Petersburgo, disse que fugiu da Rússia, após ser detido por tentar organizar uma manifestação contra a guerra.
Em Belgrado, continuou ativo com protestos, arrecadação de dinheiro para organizações e contatos com outros exilados. Recebeu, então, uma advertência clara, na forma da letra Z, símbolo russo da guerra na Ucrânia, pintada em um apartamento que frequentava em Belgrado.
"Não sei o que vai acontecer agora", admitiu Volokhonskii, de 44 anos.
- Casa Branca -
Milhares de russos se estabeleceram em Belgrado, apesar de multidões de sérvios terem celebrado a invasão com manifestações ultranacionalistas em apoio ao presidente russo, Vladimir Putin.
Em Belgrado, veem-se murais de Putin, do grupo mercenário Wagner e outras propagandas pró-guerra, enquanto quiosques turísticos vendem camisetas com a letra Z.
Mas, sob a superfície, houve outros fatos mais preocupantes.
Funcionários sérvios e americanos relatam que o grupo Wagner está tentando recrutar combatentes no país, o que gerou, na semana passada, uma rara condenação da Rússia por parte das autoridades sérvias.
O presidente sérvio, Aleksandar Vucic, comparou a capital ao filme "Casablanca", no qual estrangeiros vivem em um mundo de intrigas e espionagem no Marrocos, à sombra da Segunda Guerra Mundial.
"No Natal e no Ano Novo, Belgrado era como Casablanca. Não há espião que não tenha ocupado nossos hotéis", disse Vucic.
"Belgrado não era assim desde a Segunda Guerra Mundial", completou.
- Intimidação -
Para Volokhonskii e outros exilados, este ambiente pode ser aterrorizante.
Durante meses, seu nome, fotos e detalhes de sua vida privada apareceram inúmeras vezes em um canal do Telegram que costuma compartilhar informações sobre exilados russos no país dos Bálcãs.
O canal "Águias do Mal" é um fórum conhecido por expor russos radicados na Sérvia que denunciaram a guerra de Putin na Ucrânia. No canal, são chamados de "traidores" e "degenerados" enquanto enfrentam ameaças de violência.
"Por que (...) ele continua andando na Sérvia sem ter o rosto esmagado?", dizia uma mensagem recente no canal.
Em entrevista à AFP, a Promotoria sérvia confirmou que tem conhecimento do grupo e abriu uma investigação sobre "várias mensagens" no polêmico canal. O responsável pelo "´Águias do Mal" é Alexander Lysov, um russo ligado ao Wagner e a nacionalistas sérvios.
Lysov, que ocupa um escritório na sede de Wagner em São Petersburgo, afirma que sua rede trabalha no "campo informativo, humanitário e cultural" e nega que envie terceiros para atacar dissidentes russos na Sérvia.
Admite, contudo, não gostar dos russos que fugiram do país.
"Estamos tentando dizer ao público que essas pessoas na Sérvia não têm direito de representar o povo russo", disse Lysov à AFP.
"Eles não são contra a operação militar especial russa, mas contra a própria Rússia", acrescentou.
- Ameaças -
Um vídeo divulgado recentemente mostrou Lysov conversando nos escritórios do Wagner com Damnjan Knezevic, o líder sérvio de um grupo ultranacionalista pró-Kremlin chamado Patrulha do Povo.
"Ele me procurou por meio de amigos em comum e me pediu para organizar um 'tour'. Eu organizaria um 'tour' para qualquer residente da Sérvia", disse Lysov sobre o contato.
A reunião também coincidiu com a aparição este mês de um mural da Patrulha do Povo, dedicado ao grupo Wagner, no centro de Belgrado. Nele, membros do grupo pisam em uma bandeira azul e branca usada por opositores da guerra.
Peter Nikitin, chefe de uma associação de dissidentes russos na Sérvia, reconheceu a bandeira em um vídeo e disse acreditar que é a mesma que foi roubada de seu grupo, depois que vários de seus membros foram agredidos por desconhecidos.
"Agora sabemos quem fez isso", disse Nikitin à AFP.
Apesar das ameaças, os ativistas dizem que vão continuar a se manifestar.
"Várias pessoas (...), incluindo alguns sérvios, me enviaram ameaças vagas", contou Volokhonskii.
"Não posso dizer que me sinto seguro", acrescentou.
* AFP