VIÇOSA, MG (FOLHAPRESS) - Usadas por voluntários para tentar organizar o que sobrou de Beirute após a explosão da última terça-feira (4) , as vassouras se tornaram um símbolo da união dos libaneses na reconstrução da cidade.
Desde o primeiro dia, moradores saíram espontaneamente às ruas para limpar os destroços e ajudar a fazer reparos nas casas que ficaram sem portas, janelas e paredes.
Pouco depois, organizações locais e internacionais começaram a se unir aos esforços. Uma delas fez um chamado por voluntários e recebeu mais de 6.000 interessados em 48 horas.
A explosão deixou ao menos 220 mortos, 110 desaparecidos, 6.000 feridos e 300 mil desabrigados. Nos bairros centrais de Beirute, pilhas de destroços ainda bloqueiam as ruas, apartamentos do último andar de prédios estão com o teto exposto para o céu e as cortinas voam pelas janelas quebradas.
Nesta segunda-feira (10), quase uma semana após o incidente, ainda há muito o que fazer.
"As pessoas tiraram muito entulho das casas, e isso bloqueou as ruas. Tem muito lixo que ainda precisa ser recolhido", diz a brasileira Amanda Kaddissi, 32. "Além disso, alguns dos bairros mais atingidos têm muito idosos, que não têm condições físicas nem psicológicas para consertar os estragos sozinhas."
Guia de turismo, ela mora a 20 km da capital libanesa e foi nesta segunda até a região do porto limpar os destroços do apartamento do sogro de sua irmã --ele e a mulher não estavam no local no dia da explosão.
Localizado no terceiro andar de um prédio de cinco andares, o apartamento estava destruído. Quando ela começou o trabalho, um grupo de sete voluntárias apareceu oferecendo ajuda.
Nas ruas, havia pessoas distribuindo água, comida, máscaras, sacos de lixo. Uma ONG veio perguntar se poderia ajudar a arcar com os custos de consertar a porta e as janelas.
"Isso deixou a gente mais feliz, nos deu uma esperança. Em duas horas conseguimos limpar a madeira, o vidro", conta ela, que decidiu se tornar voluntária também.
"Quero ajudar porque vi como é importante você sentir que tem alguém do seu lado quando precisa recomeçar. O governo está ausente, e a comunidade não esperou. Todo mundo resolveu sair e agir."
Descontente com o governo desde antes de a explosão ocorrer, a população libanesa voltou às ruas neste final de semana para protestar contra o que considera negligência do poder público no episódio no porto.
Eles exigiram a saída do primeiro-ministro, Hassan Diab, o que acabou acontecendo nesta segunda.
A rotina em Beirute já não estava normal devido à pandemia. Na semana anterior à explosão, o governo havia decretado um novo "lockdown" devido ao aumento no número de casos de Covid-19. O comércio essencial abria de forma limitada, e a maior parte dos trabalhos acontecia em regime de home office.
Agora, os escritórios que ainda funcionavam não conseguem voltar à ativa pois estão sem portas, janela ou teto --nesta segunda, uma chuva inesperada para o mês de agosto dificultou ainda mais a reabertura.
Para a professora e tradutora brasileira Renata Vieira, que vive no Líbano há dez anos, tornar-se voluntária foi algo natural. "Se você está na sua casa e tudo desmorona, o que você faz? Você limpa, não é? Sinto esse lugar como a minha casa. Meu coração está aqui. Fui lá ajudar porque é o que tem que ser feito."
Ela mora a 20 km da capital e desde o dia seguinte à explosão se mobilizou junto com seus vizinhos para uma força-tarefa de limpeza e reparos na região do porto.
"Foi todo mundo cedo para Beirute com vassouras, luvas, máscaras. Tinha grandes quantidades de vidro e de madeira, restos de casas, tudo no chão", afirma. "Fomos retirando aquilo para que as pessoas pudessem voltar a andar por ali. O pessoal da minha casa também levou ferramentas e está ajudando a fechar portas, janelas. Eles vão perguntando: 'Tem algo urgente para consertar?'. E consertam."
Renata destaca que ficou impressionada ao ver civis com vassouras nas mãos e o que representava o governo, o Exército, com armas, olhando. Comércios também passaram a oferecer os serviços gratuitamente ou a preços mais baixos --de vidros para carros a consertos de esquadrias das janelas.
Ela também viu famílias ou grupos que fizeram vaquinhas e se uniram para preparar sanduíches ou arroz com lentilhas para os voluntários. "Tinha gente também que limpava dois degraus, tirava selfie para as redes sociais e ia embora. Mas a maioria ajudava de verdade."
O trabalho voluntário ajudou Renata a se manter firme nos primeiros dias do pós-tragédia. No fim de semana, porém, "a ficha caiu". "Me deu uma baixa, eu não conseguia me mover, chorava a cada dez minutos. Ainda estou digerindo. Agora me senti melhor e amanhã já quero ir a Beirute de novo, ajudar."
Fundada em 1985, na época da guerra civil libanesa, uma das organizações locais, a OffreJoie -que recebeu as 6.000 ofertas de voluntários em dois dias-, tem um programa de reabilitação das casas destruídas e está acolhendo os desabrigados.
"A cidade parece uma zona de guerra. Além do porto, hospitais, casas, prédios e negócios foram severamente danificados. As pessoas reagiram e se mobilizaram", diz Carla Jreidini, integrante da organização. "Estamos profundamente comovidos com a solidariedade e os atos espontâneos de bondade da população. Beirute precisa ser reconstruída das cinzas."