Um oficial maliense, o coronel Assimi Goita, apresentou-se nesta quarta-feira (19) como o novo homem forte do Mali perante a junta militar que depôs na véspera o presidente Ibrahim Bubacar Keita, um "motim" condenado de forma unânime pela comunidade internacional.
"Eu me apresento: sou o coronel Assimi Goita, presidente do Comitê Nacional para a Salvação do Povo (CNSP)", declarou à imprensa este oficial, que já tinha aparecido antes diante das câmeras, sem tomar a palavra, na noite de terça-feira, quando um grupo de militares anunciou a criação deste comitê que levou à demissão do presidente Keita.
Goita disse que seu país estava "em uma situação de crise sociopolítica, de segurança" e garantiu: "não podemos mais errar".
A oposição malinesa comemorou o golpe militar, que "culminou" sua luta para tirar do poder o presidente Keita e se disse preparada para impulsionar uma transição política com os golpistas.
O movimento opositor M5-RFP assegurou em um comunicado que "toma nota do compromisso" do CNSP, criado pelos militares que depuseram Keita, para "iniciar una transição política civil".
Segundo o comunicado, o M5-RPF "impulsionará todas as iniciativas" a favor da "elaboração de um mapa do caminho, cujo conteúdo será acordado com o CNSP e todas as forças vivas do país".
O coronel não poderá, no entanto, contar com o apoio de Estados Unidos, União Europeia e União Africana, que exigiram a libertação "imediata" de Keita e condenaram o "motim".
O Conselho de Segurança da ONU pediu aos militares amotinados para "retornar a seus quartéis sem demora" e a libertação do presidente, além de ressaltar "a imperiosa necessidade de restabelecer o Estado de direito".
O presidente francês, Emmanuel Macron, cujo país mantém uma importante presença militar no Mali para combater grupos jihadistas na região do Sahel, também considerou que "a luta contra grupos terroristas e a defesa da democracia e do Estado de direito são indissociáveis".
"Sair dela supõe provocar instabilidade e fragilizar nossa luta. Não é aceitável", acrescentou Macron em sua conta no Twitter, pedindo que "se devolva o poder aos civis".
Após uma cúpula extraordinária da UE, os 27 países do bloco reivindicaram um "retorno imediato ao Estado de direito" no Mali e destacaram a "grande preocupação" europeia.
Washington exigiu, por sua vez, que "a liberdade e a segurança dos funcionários do governo" seja garantida.
"Os Estados Unidos condenam firmemente o motim de 18 de agosto no Mali, como condenamos qualquer tomada do poder pela força", destacou o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, em um comunicado, sem mencionar um golpe de Estado. Ele pediu que se aja "para o restabelecimento de um governo constitucional".
- "Realmente, tenho outra opção?" -
O presidente em exercício da União Africana (UA), o sul-africano Cyril Ramaphosa, por sua vez, condenou a "mudança inconstitucional" do regime em Bamako e "exigiu a libertação imediata do presidente, do primeiro-ministro e dos outros ministros", ainda nas mãos dos militares, chamando o exército "a volver aos quartéis".
O presidente Keita e seu chefe de governo, Boubou Cissé, ainda estavam no campo militar de Kati, quartel-general dos golpistas situado nos arredores de Bamako, destacou à AFP uma fonte do CNSP, o comitê de governo criado pelos golpistas.
Outros funcionários civis e militares também foram detidos na terça-feira.
A calma reinava nesta quarta-feira em Bamako, onde era possível ver os danos causados por esta mudança de poder, particularmente a casa do ministro da Justiça, Kassim Tapo, incendiada por uma multidão enfurecida, constatou a AFP.
No centro da capital, as empresas funcionavam, mas a administração e os bancos estavam fechados.
Keita, eleito em 2013 e reeleito em 2018 por cinco anos, anunciou na madrugada desta quarta-feira ante a TV pública sua renúncia, após a dissolução do governo e da Assembleia Nacional.
"Realmente, tenho outra opção?", questionou, destacando que quer evitar um banho de sangue para se manter no poder.
O porta-voz dos militares, coronel-major Ismael Wagué, subchefe do Estado-maior da Força Aérea, anunciou horas depois a criação do CNSP, destacando que os militares tinham "decidido assumir (suas) responsabilidades" diante do caos, da anarquia e da insegurança.
Os militares anunciaram, ainda, "uma transição que conduza a eleições confiáveis em um prazo razoável", pedindo a colaboração do povo.
As fronteiras foram fechadas, mas Wagué afirmou que serão respeitados todos os acordos: com a missão da ONU (Minusma), o G5 (grupo integrado por cinco países da região) e outros.
O governo de Keita contava com uma oposição heterogênea, formada por políticos, religiosos e membros da sociedade civil. Nas últimas semanas, foram celebradas várias manifestações contra o governo, que degeneraram em três dias de confrontos mortais.
* AFP