Estima-se que 47 milhões de americanos pediram demissão em 2021 – 5 milhões a mais do que em 2019. De lá para cá, dezenas de analistas tentam explicar por que tantas pessoas decidiram deixar seus empregos durante a pandemia. De acordo com o Pew Research Center, os principais fatores são baixos salários, falta de respeito no local de trabalho, horários inflexíveis e falta de apoio aos cuidados infantis. É uma questão de esgotamento, de depressão ou de dano moral. É o fim da civilização como a conhecemos, ou o começo de algo novo. Mas um conceito – o presenteísmo – e uma crescente reação contra ele, é o ponto em comum entre muitos desses fatores.
Presenteísmo é o termo técnico para a sensação de estar fisicamente presente no trabalho, mas com a cabeça em outro lugar ou, por algum motivo, inapto para trabalhar. Geralmente, o presenteísmo é resultado de uma doença física, como quando o funcionário comparece ao trabalho mesmo quando está gripado. Mas esse “estado de zumbi” também pode estar ligado a uma série de problemas de saúde mental, a conflitos entre o horário do expediente e a necessidade de cuidados na família e muito mais, exemplifica Debra Lerner, professora da Tufts University School of Medicine e diretora associada de impacto organizacional no Tufts Clinical and Translational Science Institute. O problema do presenteísmo “apenas ficou mais evidente e veio para ficar com a COVID-19”.
Durante os meses de isolamento, alguns trabalhadores remotos se sentiram pressionados para exibir resultados, mesmo se sentindo mal. Mas outros encontraram uma nova sensação de liberdade, seja porque economizaram o tempo de locomoção até o trabalho, seja porque ganharam mais flexibilidade nas pausas durante o expediente. Mais importante ainda: a pandemia deixou mais claro do que nunca que as doenças transmissíveis, mesmo quando leves, podem colocar colegas de trabalho e clientes em risco – e isso não voltará a ser minimizado. “A era do presenteísmo acabou”, anunciou Kevin Ellis, presidente da PricewaterhouseCoopers, no verão de 2020. Embora seu pronunciamento talvez tenha sido prematuro, algo de fato está mudando – e os resultados no mundo do trabalho podem ser profundos.
O problema do presenteísmo começa com os arquétipos sociais, diz Gail Kinman, psicóloga de saúde ocupacional e professora visitante da Birkbeck University of London. Em muitos países, o funcionário ideal é visto como aquele que se sacrifica em atos de lealdade à empresa. Por meio de uma ligação do Zoom da Inglaterra, Kinman me contou sobre uma ex-colega que quebrou a perna – e mesmo assim conseguiu chegar a tempo para a próxima reunião. Isso é reforçado por aquilo que Kinman chama de “cultura da doença” existente em muitas empresas. Mesmo que existam políticas para incentivar o autocuidado ou a licença médica, quando os gerentes modelam comportamentos não saudáveis, os funcionários percebem e seguem seus exemplos.
Embora muitos possam pensar que a “abordagem do mártir”, como Kinman a chama, os fará avançar em suas carreiras, geralmente ela tem efeitos negativos tanto para funcionários quanto para empregadores. Pesquisas longitudinais mostraram que, quando as pessoas evitam tirar licenças médicas quando necessário, elas acabam precisando de mais licenças médicas no geral. Trabalhar enquanto estamos doentes, sentindo dor ou deprimidos também pode levar a mais erros, acidentes e lesões. A longo prazo, uma “cultura da doença” disfuncional cria problemas para o moral. De acordo com uma estimativa foi feita pela Harvard Business Review, o presenteísmo chega a custar bilhões de dólares por ano à economia americana em perda de produtividade – um problema que quase rivaliza com o absenteísmo (faltar, de fato, ao trabalho).
Provavelmente, o presenteísmo sempre foi um problema, mas ele parece ter aumentado na última década. No Reino Unido, por exemplo, o Chartered Institute of Personnel and Development descobriu que o número de pessoas que relatam perceber o presenteísmo em suas instituições triplicou desde 2010. Essa descoberta condiz com os altos níveis de estresse entre os trabalhadores e uma década dominada pelo #girlboss. Nos EUA, para os trabalhadores que não têm licença médica remunerada ou que têm licença limitada, o presenteísmo é uma necessidade econômica. Se eles não trabalham, eles simplesmente não serão pagos por aquelas horas ou dias.
A pandemia escancarou muitos problemas, mas também ofereceu a milhões de funcionários a oportunidade de reimaginar o estereótipo do “trabalhador ideal”. Depois de tantas pessoas terem saído de seus cargos, a escassez de mão-de-obra fez com que algumas indústrias reavaliassem a forma como fazem negócios, inclusive aumentando os salários, melhorando o horário, oferecendo mais oportunidades ou simplesmente tratando os funcionários com respeito. “A grande onda de pedidos de demissão não é uma corrida louca para longe dos escritórios. Ela é o despontar de uma longa marcha em direção à liberdade”, escreveu Adam Grant, psicólogo organizacional da Wharton School of Business, em artigo no Wall Street Journal. Mas os funcionários precisarão de apoio para colocar em prática suas demandas; as empresas precisam deixar claro que não apenas não incentivam o trabalho 24 horas por dia, como o desencorajam ativamente.
O que virá a seguir ainda é uma incógnita. Mas a “cultura da doença” precisa ser combatida, e vale a pena construir um mundo pós-presenteísmo. No momento, os pesquisadores estão aprendendo mais sobre o que impulsiona o presenteísmo e sobre que outros modelos ou conceitos poderiam se opor a ele. “O foco está no potencial de uma situação em que tanto empregadores quanto funcionários saiam ganhando”, diz Lerner. O que está em jogo é a falta de pessoal, empregos instáveis
e uma sensação generalizada de FOMO (“fear of missing out”, algo como “medo de ficar de fora”, em português”). Tudo isso tende a provocar uma série de mudanças nas políticas, desde permitir que as pessoas realmente se ausentem quando estiverem doentes até incentivar a elaboração de programas para o retorno gradual ao trabalho após uma doença. Dar o exemplo de cima para baixo também importa, diz Kinman. Ou seja: gerentes, não normalizem que seus funcionários se sintam obrigados a trabalhar a pleno vapor durante a pandemia de COVID-19 – ou com a perna engessada!