Enquanto conversava com uma colega outro dia, ela me confessou que não se sente mais tão motivada profissionalmente quanto há uns anos. Ela ainda tem uma lista grande de coisas que quer realizar, mas nenhuma delas está relacionada ao trabalho. Já uma outra colega minha decidiu reduzir sua jornada de trabalho para passar mais tempo com os filhos. Esses são exemplos de conversas que venho tendo com amigos e colegas nos últimos anos e tenho notado que as prioridades estão saindo do campo profissional e se concentrando mais em realização e satisfação pessoal, contribuições para a comunidade e envolvimento familiar.
Isso reflete uma mudança de valores e psicólogos, como Shalom Schwartz, vêm estudando o tema. Os valores individuais determinam o que as pessoas consideram importante, o que, por sua vez, influencia suas motivações. Abaixo apresento alguns exemplos:
- Uma pessoa que valoriza a realização deseja ser bem-sucedida e que outros reconheçam seu sucesso.
- Alguém que prioriza a segurança busca sua integridade pessoal e do grupo em que está inserido.
- Quem valoriza a compaixão procura sempre ajudar os outros e fazer boas ações.
- Uma pessoa que prioriza a tradição valoriza a forma como as coisas eram feitas no passado e a importância de instituições, como família e religião.
Para escrever meu livro “Bring Your Brain to Work”, entrevistei várias pessoas que decidiram mudar de carreira ao atingir a meia-idade. Dois pontos comuns surgiram dessas discussões. Em primeiro lugar, muitos deles disseram ter passado por uma mudança de valores, o que modificou sua relação com o trabalho e sua ambição. Um dos entrevistados, por exemplo, um advogado que, no início da carreira, se concentrava em conquistas profissionais, passou a valorizar a compaixão e decidiu usar sua experiência em direito para administrar uma organização sem fins lucrativos. Outro ponto comum era o fato de a mudança de valores ter sido causada por algum tipo de crise pessoal, como uma doença ou a morte de um ente querido.
Na grande maioria das vezes, essa mudança ocorre de forma inesperada e aleatória. Doenças, acidentes e tragédias familiares, em geral, não são coisas que podemos prever e muito menos algo que afeta um grupo enorme de pessoas.
Mas a pandemia levou o mundo a enfrentar coletivamente os mesmos desafios. Todos nós pegamos covid ou, ao menos, conhecemos alguém que pegou. E, infelizmente, a maioria de nós conhece pessoas que morreram da doença. Além disso, as mudanças na rotina e no formato do trabalho nos levaram a repensar nossa relação com o emprego e buscar novas fontes de realização.
É provável que, ao refletir sobre seu “eu pré-pandêmico” e sobre os valores que tinha à época, descubra que houve mudanças significativas em relação ao que prioriza hoje. E isso leva a uma mudança de foco e dedicação.
Para algumas pessoas, resultou em uma busca por novas carreiras. Um dos principais motivos por trás da Grande Renúncia foi o desejo de um grande número de pessoas de alinhar seus valores à sua vida profissional. Já outras decidiram estudar outras áreas para abrir novos caminhos. Para muitos, essa mudança de valores os levou a priorizar outros aspectos da vida, não o profissional. Da mesma forma que meus colegas mencionados acima, grande parte das pessoas decidiu dedicar seu tempo e esforço a atividades não relacionadas à vida profissional de forma a respeitar seus próprios valores.
É importante ter em mente que estar desmotivado com o trabalho pode ser apenas o reflexo de uma vontade de priorizar outros valores. Eventos como os dos últimos anos podem simplesmente ter dado às pessoas a força que precisavam para focar no que realmente desejam.