Assim como são maioria percentual na população brasileira, as mulheres também são maioria entre os brasileiros que jogam jogos eletrônicos. No dia a dia fora das telas, elas ainda precisam enfrentar batalhas diárias pelo respeito. Nas partidas, não poderia ser diferente. Talvez seja até pior.
Segundo a Pesquisa Game Brasil (PGB), 51,5% dos jogadores são mulheres e 57,5% delas chegam a se considerar gamers. Dados da Newzoo, coletados nos 10 principais mercados globais, apontam que metade dos jogadores mundiais são mulheres. A principal plataforma para atingir essas jogadoras são os smartphones – elas são maioria entre os que jogam no celular. Nos consoles e PCs, a predominância ainda é masculina.
As experiências que buscam também tendem a ser diferentes das dos homens. Para eles, jogos no estilo mundo aberto (open world) são mais atrativos. Já para elas, a possibilidade de resolver quebra-cabeças, fazer escolhas criativas e colecionar itens durante o jogo são diferenciais mais valorizados.
No entanto, muito mais do que dados, vida real. Apesar das diversas declarações dos players mundiais em prol de um esforço coletivo para transformar o ambiente gamer em um local cada vez mais diverso e acolhedor – não em relação às mulheres, negros e também integrantes da comunidade LGBTQUIA+ –, ainda existe muito preconceito. Sim, ainda existe muito machismo. E é preciso falar sobre ele.
Neste mês de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a Fast Company Brasil publica entrevistas com gamers, streamers e profissionais do setor sobre suas experiências pessoais. São relatos que os dados das consultorias não traduzem e que nos ajudam a entender o que pode ser feito.
Para começar, direto de Belo Horizonte, a gamer Paula Cabral traz um pouco da sua vivência. Com 26 anos, começou frequentando lan houses, nos anos 2000, onde era praticamente a única menina. De lá para cá, passou pela linha Playstation, Nintendo 360 e hoje joga no computador, além de fazer lives de Valorant na Twitch. Paula está terminando a graduação em publicidade e trabalha na XIS, uma organização de esports. Para ela, videogame sempre foi paixão, mas nunca deixou de ser um lugar para ser confrontada por ser mulher.
Paula Cabral, jogadora de Valorant
(Crédito: Arquivo pessoal)
Como foi seu início no mundo dos games?
Comecei a jogar desde pequenininha, desde que arrancava o topo do dedão jogando bola na rua. Sempre gostei de jogos, mas era a “carta branca”, ou por ser menina, ou por ser a mais nova do pessoal do meu bairro. Sou da época de lan house, da sessão corujão, que custava R$ 10 – você jogava a noite inteira e ainda ganhava um sanduíche de mortadela e uma Coca-Cola. Jogava Counter-Strike (CS) e GTA. Não sabia as manhas do jogo, nem fazer missões no GTA, eu só jogava matando os outros personagens.
Nesta época, você já sentia diferenciação no tratamento?
Sempre enfrentei muito machismo, porque era, literalmente, a única menina da lan house do bairro. Tinha sorte que meu primo jogava comigo, então ele me validava. Quando os meninos não queriam me colocar no time para jogar CS, meu primo me defendia, falava “ela tá comigo”. Ou seja, desde pequena eu já sofria com essa questão de ser mulher no mundo gamer.
Como foi a transição para os jogos online, com possibilidade de interação? O que mudou?
Tive PlayStation 1, PlayStation 2, Nintendo 360, depois fui para os computadores gamer. Com uns 16, 17 anos, tive meu primeiro computador para jogar. Sempre gostei muito de FPS (first-person shooter, ou jogos de tiro em primeira pessoa). No desktop, comecei a jogar online com Combat Arms e, como usava um avatar feminino, me xingavam bastante. Quando sabiam que eu era menina, os outros jogadores pediam para provar, para eu “abrir call” (termo usado pelos jogadores para se comunicarem por voz dentro do game).
Era sempre “ah não acredito que é menina mesmo, deve ser feia”, ou “namora comigo”, ou “eu pego leve com ela”, ou “deixo ela matar”. Ou eles tentavam me dar regalias ou era extremamente xingada, zoada, menosprezada. Nunca pensei que as regalias eram coisas positivas. Não estava recebendo porque eles gostavam de mim e do meu jogo, mas porque eu era menina, como se fosse deficiente por ser menina.