A vida de Fernanda Bizzotto Costa, 41 anos, sofreu uma reviravolta há quatro anos. Seu marido, o jogador, treinador e comentarista Fernandão, morreu na queda de um helicóptero em Goiás, aos 36 anos.
Mais do que ídolo do Internacional, o eterno capitão era peça fundamental dentro de casa. A despedida forçada do pai dos gêmeos Eloá e Enzo, hoje com 15 anos – além de Thayná, 19, fruto do primeiro relacionamento do craque – deixou um buraco na vida da família e se agigantou como um abismo diante de Fernanda.
Cinco meses depois do acidente, a viúva foi entrevistada pela Revista Donna e falou sobre a rasteira que havia tomado do destino e a dificuldade de superar o luto para seguir em frente. A sinceridade de uma mulher que ainda tentava colocar sua vida nos trilhos a passos lentos e sofridos se traduziu na seguinte frase de Fernanda à época:
– Não consigo enxergar um futuro a médio prazo para a minha vida.
Hoje, Fernanda cultiva a mesma franqueza nas palavras, mas já se dá ao direito de experimentar pequenas alegrias e sonhar com novos desafios. Está feliz com as novidades envolvendo o legado de Fernandão, já que, neste sábado (8), estreia no Theatro São Pedro a peça Um Certo Capitão Fernando, com fragmentos da história pessoal do ex-jogador e cenas da trajetória de glórias do Inter na última década.
Esse é o ponto de partida do nosso bate-papo na redação do Donna Beauty Pompéia, local escolhido para o encontro pela proximidade da casa da família, localizada nos arredores da Avenida Nilo Peçanha. A filha Eloá acompanha o desenrolar da conversa de perto, assim como a atriz Lívia Perrone, que viverá Fernanda nos palcos.
– No dia da estreia, vou ficar mais nervosa. Mas sabe o que penso de verdade? Que fiz isso em homenagem a ele, então, espero que ele esteja gostando. É uma história que fala do Fernando, mas não só dele. Fala do Inter, da história de todos eles. O Fernando só chegou aonde chegou com todos juntos. Ele não era arrogante, faço questão de ser como ele – explica a viúva.
Não é a primeira vez que alguém se propõe a levar a vida de Fernandão para ficção. Fernanda foi procurada logo após a morte do marido com a proposta de um filme, porém, hesitou. Agora, sentiu-se mais preparada para dar o aval ao diretor Bob Bahlis. E o sim para o roteiro significou também um mergulho em memórias que reabrem feridas.
– Tentei começar a lembrar como era meu relacionamento com ele para passar para a Lívia. E é muito estranho porque, assim como muitas pessoas que têm perdas, a gente tem um bloqueio. Se você não faz isso, você não segue. Mesmo com o bloqueio, hoje já consigo mexer naquilo sabendo não sofrer tanto. Não entro em detalhes profundos, não posso me aprofundar muito. Fico no superficial porque, se você entra... Todo mundo fala que sou muito forte, mas aprendi a lidar com a situação. Nunca vou no profundo, só quando estou sozinha comigo mesma – conta Fernanda, que precisou da ajuda de amigos próximos para reconstituir os traços do relacionamento com o pai de seus filhos.
A ruptura com o passado é a forma encontrada por Fernanda para seguir em frente. Seu maior desafio hoje é justamente o equilíbrio. Ao mesmo tempo em que está imersa em homenagens carinhosas ao marido, como o espetáculo gaúcho, precisa viver o presente e vislumbrar um futuro sem ele.
– Se você vive muito aquilo (refere-se à perda de Fernandão), na verdade você não vive, você morre. Tenho que viver o futuro, o que tenho que fazer com meus filhos. E sei bem qual é o meu lugar na história. Às vezes, as pessoas me convidam para ir a homenagens, mas fico um pouco constrangida. Não sou eu, o ídolo é ele. Isso me preocupa, separo bem as coisas – esclarece.
A família, o futebol e o futuro
Os quatro anos sem Fernandão foram de reconstrução para a família. Fernanda assumiu o posto de referência maior para os filhos e internalizou a duras penas que precisava se tornar a chefe do lar, mesmo em meio à dor e à saudade. A vida em Porto Alegre, cidade em que a família escolheu morar após o acidente, só deslanchou com a ajuda de amigos e da mãe, Alzira, que encarou a ponte-aérea para auxiliar a filha – Fernanda é natural de Goiânia.
– Hoje, sou mais dura em relação a sentimentos. Sou pai e mãe com mais firmeza. Um dos meus filhos me disse uma vez: “Bá, mãe, você ficou tão brava depois (da morte de Fernandão)”. Acho que mudei a minha postura por ser uma pessoa que tinha alguém que me apoiava, que era a referência dentro da casa, era quem decidia, e passei a decidir. Não é um processo fácil, é bem dolorido. Ainda me sinto muito perdida em pensar: “Pô, será que essa é a decisão certa?”. Penso muito no que o Fernando iria concordar quando é algo diretamente relacionado a ele. Tento tirar isso das decisões sobre a minha vida. Porque, se não, nunca vou ter a minha vida – explica.
De 2014 para cá, a dedicação de Fernanda foi exclusiva para os filhos. O bem-estar dos gêmeos Eloá e Enzo na capital gaúcha tornou-se o principal objetivo, concluído com sucesso. Ambos têm uma rede de amigos, estão integrados na escola e desfrutam dos desafios da fase adolescente.
Com a estabilidade emocional da família reconstruída dia após dia, a mãe começou a amadurecer a ideia de iniciar um projeto profissional neste ano. Sem ensino superior – ela não concluiu a faculdade de Educação Física –, Fernanda pensa em investir em alguma área que explore sua facilidade em se comunicar e falar ao grande público.
Homenagens a Fernandão também lotam a agenda, dividindo espaço com a vida social com que a viúva tem se acostumado aos poucos. Ela diz que gosta de sair para dançar e, em seguida, é atravessada pelo olhar desconfiado da filha.
– Te conheço. Você não gosta que eu fale, mas é uma coisa com respeito – justifica Fernanda. – Saio, tenho amigas novas, mas estou sempre me cuidando para ver como estou agindo. Porque todo mundo quer saber, todo mundo quer olhar. Cuido muito para não fazer algo que alguém possa olhar e dizer: “Olha ali o que ela está fazendo”. Até hoje carrego esse cuidado, não sei se algum dia vou deixar de ter. Hoje estou mais solta. Uma vez conheci uma pessoa e a cumprimentei, um amigo de uma amiga. Daí encontrei esses dias com ele de novo, numa turma, e ele me disse: “Bá, Fernanda, agora conseguimos conversar. Porque antes você tinha um bloqueio, uma coisa”.
Atenta à entrevista, Eloá passa dos bastidores para o centro da conversa. Fernanda revela que a filha começou a se aventurar no futebol há poucos meses, como atacante:
– Ela não sabia nem dominar direito, estava começando. É um hábito e é difícil. Agora, vai para casa e treina balãozinho, o máximo está em 15. Isso é do pai dela, pega a bola e vai.
O futebol parece mesmo estar no sangue da família. Enzo é jogador sub-15 do Internacional, clube que sonha vestir a camisa desde guri. Quando ele entra em campo, a torcida organizada canta músicas sobre o pai e também grita seu nome. Fernanda consegue assistir aos jogos controlando o misto de emoções, mas uma notícia que chegou pelo telefone neste ano a fez desabar.
– Ele foi para uma copa de titular. Me ligou e falou com certa emoção: “Mãe, fui convocado. A minha camisa é a 9 (número que Fernandão usava)”. Esse dia eu me emocionei, mas não falei nada. Desliguei o telefone. Avisei a Eloá que ele era titular do time. Ele se cobra, sei que deve ser complicado, mas está lidando com tranquilidade. Não crio expectativas, mas falo que vai dar certo. Isso eu aprendi com o Fernando. Nunca falar: “Ai, não sei”. Se alguém pergunta para ele o que vai ser, ele diz: “Vou ser jogador de futebol”. E se você pergunta se não der certo, ele diz: “Vai dar certo”.
As glórias de Fernandão como jogador seguem inspirando seus filhos e seus fãs, mas, se depender de Fernanda, títulos profissionais podem ocupar o banco de reservas da trajetória do capitão. O que precisa perdurar não são as taças e, sim, o exemplo de líder positivo, pessoa simples, pai dedicado e marido amoroso, como define a viúva:
– Tento mostrar a ele como ser humano. É isso que tem valor, os valores que ele deixou. Quero mostrar quem ele era para tentar influenciar pessoas, inspirar, acreditar. Claro que é difícil, porque a gente revive muita coisa. Mas sou feliz fazendo isso hoje.
Amizade na vida real
Quando foi escolhida para viver Fernanda na peça Um Certo Capitão Fernando, a atriz Lívia Perrone não teve dúvidas: mandou uma mensagem para a viúva de Fernandão pelo Instagram e marcou um café para se conhecerem melhor. Não queria apenas estudar sua personagem, mas desenvolver uma relação próxima que possibilitasse uma conexão.
– Nos relacionamos e tivemos muita troca. Contei da minha vida, temos filhos, achamos questões
parecidas – conta.
A parceria para alguns cafés e drinks fez com que Fernanda e Lívia se tornassem amigas. Durante a entrevista para Donna, mostraram intimidade e sintonia: tiraram selfies, riram e completaram frases uma da outra. Para a atriz, o desafio maior é se libertar do peso de viver alguém no teatro que vai estar na primeira fila da plateia:
– Me nego a me estressar. Prefiro ver essa oportunidade de interpretar a Fernanda como algo muito legal, sem me dar medo. Sei que existe uma responsabilidade. Interpretar alguém que existe, que está ali te assistindo, é uma oportunidade para poucos na profissão.
O espetáculo estará em cartaz neste fim de semana no Theatro São Pedro. As sessões ocorrem no sábado (8), às 21h, e no domingo (9), às 18h.
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