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Para a entrevista que você lê a seguir, Mônica Martelli nos atendeu em três ligações. Na primeira, recebida prontamente no horário marcado, já dava para sentir como seriam os próximos 40 minutos de papo: sim, a atriz é tão bem-humorada e espontânea quanto parece nos palcos e na TV. Fala tudo o que pensa em velocidade recorde. Definitivamente, não para um segundo – nossa conversa rolou entre o caminho da rua para o hotel, onde ela se preparava para apresentar um evento sobre lideranças femininas no mercado de trabalho.
– Tô entrando numa loja, porque estava na rua e está todo mundo passando e olhando pra minha cara – diverte-se Mônica, afobada ao celular. – Vou falando com você e vou assim, subindo elevador... Encaixando na minha agenda louca!
Toda quarta-feira, a carioca ruma para São Paulo, onde ficam os estúdios do Saia Justa, programa do GNT que ajudou a revelar ao público as opiniões certeiras de Mônica. Nos finais de semana, viaja o Brasil com a peça Minha Vida em Marte, que desembarca em solo gaúcho em maio. Parece muito? Tem mais: Mônica ainda se divide entre a série Os Homens São de Marte... e É pra lá que Eu Vou, com três temporadas exibidas no canal por assinatura. Além do seriado, o sucesso da peça de teatro que consagrou o nome de Mônica Martelli deve ganhar um novo desdobramento no cinema ainda neste ano. De quebra, ela ainda soma outro papel em tempo integral, mais do que especial e aguardado: é mãe de Julia, oito anos.
Se hoje sobra pique para lidar com a agenda profissional atribulada, é porque Mônica desejou demais estar no lugar que ocupa. Como ela costuma dizer, inventou a própria carreira: depois de se desdobrar em testes e mais testes de elenco, resolveu apostar nos textos de sua autoria. O resultado foi a aclamada peça Os Homens São de Marte..., que estreou nos palcos quando ela tinha 36 anos. Nos 11 anos seguintes em que ficou em cartaz, a montagem foi assistida por mais de 2,5 milhões de pessoas. Os números invejáveis contribuíram para que o espetáculo virasse filme em 2014, com mais de 2 milhões de ingressos vendidos – a segunda maior bilheteria nacional daquele ano.
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Faz sentido: tudo o que Mônica toca vira sucesso porque ela fala, com leveza e bom humor, dos pequenos-grandes dramas diários que toda mulher vive. Quase como se você estivesse batendo papo com aquela amigona com quem compartilha tudo numa conversa de bar, sabe? É justamente neste clima que falamos com Mônica sobre, bem, quase tudo: das vantagens de ser feliz solteira ao momento crítico que vive o Rio. Com vocês, a Mulher de Marte!
A peça Os Homens São de Marte... ficou 11 anos em cartaz. Você precisou atualizar o texto por conta de mudanças de comportamento neste período?
Não mudou. Os Homens São de Marte... aborda uma mulher em busca do amor. É engraçado que, na peça, ela fala: “Sou filha de uma feminista! Fui criada com a minha mãe falando para nunca depender de homem”. As pessoas confundem uma mulher que quer namorar, casar, com a mulher (ser ou não) feminista. E não tem nada a ver. Ser feminista é uma posição diária. Na época do filme, muita gente perguntava: “Mas você não acha que agora, com um mundo feminista, a gente está buscando outra coisa?”. Sim, a gente está buscando respeito e direitos iguais. Mas não quer ficar solteira por querer direitos iguais. Estou solteira agora porque sou uma mulher muito independente, realmente não deve ser fácil acompanhar minha vida e meu ritmo. A peça é sobre uma mulher de 38 anos louca para encontrar o amor. Nesta idade, bate uma ansiedade pela questão da maternidade, porque nossos óvulos envelhecem. Engravidei aos 40, perdi três gravidezes. Não é tão simples. Em Minha Vida em Marte, a personagem começa casada há oito anos, tem uma filha de cinco e está em crise. Qual a crise? A que todos nós passamos. Uma mulher lutando para aquele casamento dar certo. Porque ninguém casa para separar! Só que a Fernanda tem uma característica minha: quero que o casamento dê certo, mas não aturo qualquer coisa em nome do projeto família feliz. É aí que entra em cena o lado feminista dela. Ela luta para que dê certo, mas não aguenta tudo que é coisa.
Até que ponto vale lutar por um relacionamento?
Casamento é um ciclo, com fase boa e ruim. Precisamos repensar quando passamos dias infelizes, ou se você passa a ser quem não é. Quando precisa tomar uma atitude que não é sua para agradar ao outro. E quando aquela relação vai virando abusiva dentro de casa. E não só com agressão física: é abusiva quando a pessoa vai te minando diariamente, põe você para baixo. A dor de um divórcio é considerada a segunda pior do mundo. A pior é perder um filho, a gente nem comenta isso. Perder os pais é considerado a ordem natural da vida. Mas a dor do divórcio é muito grande, sei porque me divorciei do pai da minha filha com 10 anos de casamento. Quando você se divorcia, não sai pela porta somente o marido, o pai da sua filha. Sai todo o futuro que você imaginou, tudo o que idealizou.
O que é o melhor e o pior de estar casada? E solteira?
Todo mundo que está casado quer ser solteiro, e quem é solteiro quer estar casado (risos). Estou vivendo uma fase muito boa: sozinha e feliz! Realmente descobri que posso ser feliz sozinha, mas, com certeza, prefiro a vida com outra pessoa. Compartilhar a vida com alguém é gostoso. Gosto de namorar. De sair do avião e ligar para alguém e dizer: “Oi, amor, cheguei! Vamos jantar?”. De ver um filme e ter uma pessoa do meu lado. Mas essa pessoa precisa somar. Tem que me estimular de alguma forma, ser parceira. Se é alguém para me sugar, para me colocar para baixo, prefiro ficar sozinha. Porque sozinha eu sou muito feliz! Sou independente, tenho a minha vida, o meu trabalho, minha filha, meus amigos. Não fico em uma relação a qualquer preço. Essa relação precisa estar boa para mim. A solteirice é boa porque você não precisa dar satisfação para ninguém, tem seu tempo. Você vive de verdade a sua individualidade. De estar casada é ter com quem compartilhar bons momentos e os difíceis também, e ter uma companhia. E sentir o apaixonamento! Amo estar apaixonada. Mas a coisa mais difícil que existe hoje é a paixão. Do que a gente corre atrás em um casamento? É voltar àquela sensação de paixão que você teve no início. E, muitas vezes, você namora sem estar apaixonada, porque quer uma companhia ou teme ficar sozinha. Nossa sociedade cobra da mulher ter um homem do lado. A mulher sozinha é como se fosse desvalorizada, e é isso que a gente precisa tentar desconstruir. E muitos casamentos sem amor continuam porque as pessoas têm medo de ficar sozinhas. Cheguei à conclusão de que paixão virou uma raridade.
Tudo o que você escreve tem um tom autobiográfico. Como é compartilhar tanto do que você vive na ficção?
Tudo o que vivo e tudo o que sinto coloco no que escrevo. O sucesso da peça e de todas as coisas que faço é a verdade que tem em cena. Quando escrevo, já escrevo com algum distanciamento do que já vivi. Estou fazendo uma peça agora em que a personagem se separa, e já estou separada há cinco anos – há um distanciamento das dores que vivi. Quando você tem esse distanciamento, consegue escrever com humor. Aí essa história não é mais só minha, é de todo mundo. Já virou arte, sabe? Todo mundo se inspira, na verdade, em suas próprias histórias.
Seu estouro profissional foi aos 36 anos. O que a diferencia por ter explodido mais tarde do que outras atrizes?
De positivo, é a gente acreditar em nós mesmas. Acreditar que uma hora vai dar certo. Com 36 anos, na minha carreira, se você não se deu bem, provavelmente não se dará mais. E isso só prova que não tem hora nem idade para tudo acontecer. Cada um tem seu tempo. Cada um inventa uma trajetória para si. Fiquei muito tempo percorrendo um caminho que não era o meu. Descobri o meu caminho, que é autoral. Inventei uma carreira para mim. Vi que não era fazendo testes e videobook que eu ia me dar bem. Tinha 36 anos e ainda não havia acontecido, então peguei os textos que tinha escrito só para mim e tomei a coragem de colocá-los na palco. Aí que entra a parte mais importante: não deixar o medo te paralisar. A pior coisa é o medo. Porque a raiva te impulsiona, te faz ir em frente. Com 36, sem reconhecimento profissional, o medo pode tomar conta de você. Ir para o palco levar a minha história mudou a minha vida. E aí comecei a trabalhar mais ainda, porque nunca para. Não existe chegar lá, porque, quando você chega, tem outro lá para você ir.
Sua filha nasceu quando você tinha 41 anos. Como isso se refletiu na sua maneira de educá-la?
A maternidade muda a gente, querendo ou não. Te traz milhões de questões, inseguranças, perguntas sem resposta. E te ensina muito também. O que tento passar para a Julia é coerência. Não falo para ela não fazer algo que eu faço. Educação é exemplo: não é falar, é mostrar. Não adianta falar para ela não ficar vendo filminho no celular, se não tiro o meu da orelha. Quando você é mãe, fica mais atenta às próprias ações. E é um amor que te preenche em um lugar totalmente diferenciado. O lado bom (de ter sido mãe mais tarde) é que você está verdadeiramente querendo ser mãe. Todos os momentos que tive com a Julia, da amamentação, que eu sofri para caramba, até conseguir curtir... Tudo curti sem querer estar em nenhum outro lugar que não ali. Já estava bem na carreira, financeiramente. Quando você é mãe mais tarde, quer viver todos os momentos, até porque sabia que não teria outra gravidez. O lado ruim é o cansaço, porque, realmente, você se cansa muito mais. Fica exaurida. Ser mãe nova deve ter o lado bom de ter muito pique para fazer tudo. O ruim é que você ainda não conquistou a vida, o trabalho. Isso deve causar uma ansiedade para voltar à vida e para o mundo mais rápido.
Como é a Mônica mãe?
A minha casa é muito alegre. Tento ter momentos de prazer com a minha filha, mas sou mãe, não sou amiga. Lá em casa tem ordens, tem regras, tempo para ver televisão, hora de jantar. Tem regras, por que lá fora a vida também tem regras. Regra e limite ajuda a criança. E é amor. Criança totalmente sem regras e limites se perde. Mas, como sou uma mãe que trabalha muito, sou uma mãe culpada. Eu devo ceder mais do que outras mães e, às vezes, fico pensando nisso. Mas acho que sou equilibrada. Não sou caxias, mas também não sou amiguinha oba-oba não.
Você completa 50 anos em maio. Muda alguma coisa na prática, no teu dia a dia?
Eu vou continuar caminhando da forma que estou hoje. Não existe uma virada. De dizer que agora tenho 50 anos e sou diferente. Venho me transformando ao longo dos anos. Você vai se aperfeiçoando, amadurecendo e tendo outros interesses na vida. Vai tendo maturidade para lidar com as frustrações. Se conhece mais. Ao longo dos anos, fui me trabalhando. Entrei em um caminho de autoconhecimento – a única saída para a vida. E devo continuar neste caminho porque foi acertado. É o caminho do autoconhecimento.
Gosta mais da Mônica de quase 50 do que da 25 anos?
Tem características que conservo e que acho que são bonitas. Pode ser visto como falta de amadurecimento, mas acho que são a minha grande sabedoria. Ainda me encanto com a vida como me encantava aos 25. Fico encantada com as coisas que realizo, as coisas da minha filha... E isso é uma coisa maravilhosa! Levo isso para o amor também. Quando me apaixono por alguém, mergulho naquele amor do mesmo jeito que aos 25. Isso é preservar uma qualidade de ouro, a capacidade de amar e se encantar. Não quero perder isso nunca, porque, no dia em que isso acontecer, vou estar morrendo para a vida.
No Saia Justa, você já compartilhou experiências muito pessoais. Sentar ao lado das gurias toda quarta-feira ajuda a descobrir novas visões sobre você mesma?
Sempre! Qualquer pauta que a gente debate, sempre tenta se colocar dentro daquilo. Você vai se descobrindo e amadurecendo, sempre. Toda semana, descubro alguma coisa minha nova, aprendo alguma coisa. O Saia é bom por isso, porque são muitas coisas que descubro e entro em contato. Se não estivesse fazendo o programa, talvez não saberia.
O Saia Justa, aliás, está há anos no ar, mas parece que nunca foi tão relevante quanto agora, pelo contexto político das mulheres. Como é estar nesse papel hoje?
A sociedade só anda quando as questões são postas e discutidas. No Saia, nosso papel é discutir as questões que estão aí. Acho que a gente contribui para que essas questões caminhem de alguma forma e para esclarecer, para muita gente, muitas questões. Eu mesma já mudei de opinião várias vezes ao longo dos anos no Saia, por causa de coisas que aprendi ali mesmo, no programa. O programa tem importância por falarmos de questões sérias e conquistas, de medos, da sociedade machista em que vivemos... Da questão do racismo, que nos pronunciamos ainda mais tendo uma representatividade negra no sofá que foi a Taís Araújo, e agora a Gaby Amarantos. O Saia tem um papel de esclarecer e debater temas para a sociedade caminhar.
Ainda há quem considere feminismo “mimimi”. Como você rebate?
Gente, são pessoas completamente desconectadas do que está acontecendo no mundo. O feminismo existe desde muito antes, desde as sufragistas na Inglaterra, e depois Simone de Beavouir... É uma luta das mulheres pelos direitos delas, que vem se aprimorando e aumentando. Ouvimos falar muito em feminismo de três anos para cá, porque as redes sociais ajudaram a propagar o feminismo de uma forma maravilhosa, que chegasse para muitas pessoas. É uma luta e uma caminhada que não tem volta. Só colocando a boca no trombone, discutindo e reivindicando que vamos conseguir melhoras. Pergunta para quem fala que feminismo é mimimi se elas gostariam de voltar ao passado e ter que pedir permissão ao marido para sair na rua. Você acha normal uma mulher fazer o mesmo trabalho do que o homem e ganhar menos? São questões que não têm mais volta. Hoje (no dia da entrevista, 22 de março), vou participar de um evento falando de liderança feminina, com mulheres no mercado de trabalho. E lutando por uma licença-paternidade maior, para que elas tenham chances de igual para igual no mercado. É comprovado que não é mimimi. Todo movimento quando se inicia ou se retoma, como o feminismo agora, tem um certo radicalismo. E esse radicalismo é importante para que o movimento se imponha e seja ouvido. Depois do radicalismo, tende a equilibrar. Mas até o radicalismo é importante para que as mulheres sejam ouvidas.
Nas gravações do Saia em Porto Alegre, a Astrid brincou dizendo que você é na vida exatamente a pessoa espevitada que a gente vê na TV. E lembro que, em sua participação no programa Santa Ajuda, você disse que era um caos. Como é a Mônica vida real?
Eu tenho realmente muita energia. Faço tantas coisas em um só dia que as pessoas ficam meio chocadas como consigo. Mas sou apaixonada pelo que faço, pela vida, pela minha família e o meu trabalho. Às vezes, fico pensando se a vida me impôs esse ritmo acelerado... Já pensou se eu sou uma pessoa calma e a vida me impôs esse ritmo louco? (risos) Ser apaixonada pelo que faço é o que me faz ser tão agitada e ter energia.
Muito por conta da sua personalidade superespontânea e aberta, os fãs devem conversar muito com você, né? Como é essa relação?
As pessoas encontram comigo na rua e conversam como se eu fosse uma amiga delas. Aquele: “Oooi, te adoro!”. Elas mesmo falam: “Converso contigo como se fosse uma amiga”. Realmente, sou a mesma pessoa no palco, no Saia e na vida. Claro que, no palco, existe um outro, porque é uma peça. Sou muito de verdade, sou transparente. Não consigo fazer tipo, não gosto de frescura. Sou o que sou. Essa identificação, empatia e simpatia que o público tem comigo vem desta minha espontaneidade.
Como carioca, é impossível não perguntar para você sobre a situação que o Rio de Janeiro vive hoje...
Muito difícil. Está muito triste. A violência... As pessoas estão desesperadas querendo acordar desse pesadelo que é a insegurança pública. Extorquiram o Estado, que está entregue a políticos que não conhecem e não se comprometem com a cidade. A morte da Marielle (Franco, vereadora), inclusive, e aquele povo todo na rua... Quando você vê uma política como a Marielle, coerente, que defendia o que falava. É tão raro que causou essa comoção. Calaram uma voz pela qual a gente realmente se sentia representada. Muita gente não conhecia Marielle porque ela era vereadora, mas a gente no Rio, sim. É triste demais o que está acontecendo, a sensação de medo é constante, só que a gente não tem outra saída a não ser acreditar. Nós cariocas temos a chance de mudar isso na próxima eleição. É com o voto, procurando saber quem é o candidato, o comprometimento político desta pessoa... E tentar achar novas lideranças. A comoção toda foi porque a Marielle era uma dessas pessoas. Precisamos acreditar.